Dispõe o artigo 5º do Código de Processo Civil: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.
Na mesma linha principiológica, que marca as denominadas “Normas Fundamentais do Processo Civil”, inseridas no preâmbulo do vigente código, inspirando-se, por certo, na dogmática do Direito Privado, o legislador estabelece, nesse artigo 5º, uma cláusula geral de boa-fé processual, que deve nortear a conduta, durante as sucessivas etapas do procedimento, de todos os protagonistas do processo: do juiz, das partes, dos advogados, do representante do Ministério Público, do defensor público e também dos auxiliares da Justiça (serventuários, peritos, intérpretes etc.).
O fundamento constitucional da boa-fé decorre da cooperação ativa dos litigantes, especialmente no contraditório, que têm o ônus de participar da construção da decisão, colaborando, pois, com a prestação jurisdicional. Não há se falar, com certeza, em processo justo e équo se as partes atuam de forma abusiva, conspirando contra as garantias constitucionais do devido processo legal.
É exatamente por essa razão que, dentre os deveres processuais dos litigantes, o subsequente artigo 80, II, impõe o de não formular pretensão ou de oferecer defesa quando têm eles ciência de que são destituídas de fundamento!
Infringido esse dever ético, o juiz, de ofício ou por provocação da parte interessada, está autorizado a impor multa ao litigante de má-fé. Tenha-se presente que, além da regra geral do artigo 81, o Código de Processo Civil contempla ainda algumas outras circunstâncias específicas nas quais o comportamento inadequado da parte também possibilita a fixação de multa, como medida de repressão ao abuso processual (por exemplo, artigo 523, parágrafo 1º).
Se, de um lado, em muitas ocasiões, os tribunais desprezam as regras processuais fazendo vista grossa às sanções previstas na lei, de outro, verifica-se incoerente condenação em multa, mesmo quando, a partir de um exame mais acurado do caso concreto, não se configura hipótese de incidência daquela.
Seja como for, dúvida não há de que, para não comprometer o direito de defesa, a multa somente é cabível nas situações em que a atuação abusiva da parte emerge inequívoca, isto é, detectável de pronto diante do objeto do litígio, inconsistente à toda vista, despontando, pois, inquestionável a manifestação distorcida da parte.
Mantendo praticamente o mesmo regime do anterior sistema processual, o parágrafo 2º do artigo 1.026 do Código de Processo Civil preceitua que, sendo opostos embargos de declaração manifestamente protelatórios, o juiz ou tribunal, por meio de decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa. O seguinte parágrafo 3º dispõe, ainda, que, em caso de reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até 10% sobre o valor atualizado da causa.
Todo aquele que exerce a profissão no âmbito do contencioso civil sabe muito bem que tal cominação tem sido frequente, em particular, tanto na esfera dos tribunais de segundo grau quanto nos domínios do Superior Tribunal de Justiça.
Importa frisar que a oposição de embargos de declaração, a ensejar a incidência da referida multa, deve ser reputada “manifestamente protelatória”, ou seja, o recurso é manejado sem qualquer sinal de consistência. Ressalte-se, por outro lado, que o ato decisório impositivo da multa, monocrático ou colegiado, exige mínima fundamentação, pela qual o órgão jurisdicional revela o descabimento dos embargos declaratórios, e, assim, o propósito nitidamente procrastinatório da parte que geralmente perdeu a demanda ou teve o seu recurso improvido.
Cumpre ainda observar que, em consonância com o enunciado da Súmula 98/STJ, “embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”.
Esse é o enquadramento legal da questão acima suscitada. Para que tais regras processuais sejam bem aplicadas, é preciso que haja coerência dos tribunais na imposição da referida sanção pecuniária.
Partindo-se, pois, dessa inarredável premissa, não se me afigura compreensível a aplicação de multa ao litigante que opôs embargos de declaração, quando estes são desacolhidos por maioria de votos.
É exatamente o que sucedeu no julgamento, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, dos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.449.212/RN, no qual restou imposta a multa de 1% do valor atualizado da causa, a despeito da existência de voto vencido, que acolhia os embargos, para reconhecer a nulidade arguida pela parte embargante.
A mesma situação se repetiu na 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 839.473/DF, apesar de o ministro Napoleão Nunes Maia Filho ter ficado vencido, visto ter recebido os embargos nos seguintes termos:
“(…) No caso dos autos, alinhado ao pensamento antes desenvolvido pelos meus Pares, concluí que não havia omissão a ser sanada, entendendo que a Resolução CIEX não havia sido reconhecida nas instâncias ordinárias. Contudo, analisando melhor o caso, verifico que assiste razão à Embargante
Conforme informado em seus declaratórios, extrai-se do trecho do acórdão proferido pelo Tribunal de origem, ser legítima a aplicação da CIEX (fls. 628).
Contudo, no mesmo ponto, o TRF da 1a. Região afirma ser desnecessária a liquidação por artigos; o que afasta o ponto omisso do acórdão recorrido, uma vez que se encontrava prequestionado.
Sendo assim, deve ser corrigido o erro material no julgado quanto à legitimidade de aplicação da CIEX 02/1979 para fins de cálculo de benefício intitulado crédito-prêmio de IPI, conforme já decidido pela 1a. Seção do STJ…
Ante o exposto, acolho parcialmente os Embargos de Declaração, conferindo-lhes efeitos modificativos quanto à legitimidade da aplicação da CIEX reconhecida pelo Tribunal de origem. É como voto…”.
De duas uma: ou os embargos de declaração são reconhecidos “manifestamente protelatórios”, e, com isso, tem cabimento a imposição da multa prevista no parágrafo 2º do artigo 1.026, ou ostentam algum fundamento questionável, digno de reflexão, a despeito de serem rejeitados.
Não me parece logicamente possível a condenação da parte embargante quando pelo menos um julgador entender que os embargos de declaração merecem acolhimento. “Manifestamente protelatórios” significa que a inconsistência dos embargos de declaração irrompe clara, patente, evidente. Ora, se um membro do colegiado acredita na sorte dos embargos, não podem ser considerados “manifestamente” descabidos!
Pensar o contrário implicaria concluir que o voto dissidente está, no limite, abonando a litigância de má-fé, com finalidade meramente procrastinatória!
Mutatis mutandis, o parágrafo único do artigo 974 do Código de Processo Civil, relativo à ação rescisória, dispõe que: “Considerando, por unanimidade, inadmissível ou improcedente o pedido, o tribunal determinará a reversão, em favor do réu, da importância do depósito…”.
Essa, por certo, deve também ser a ratio da incidência da multa na hipótese de inadequada oposição de embargos de declaração, vale dizer, o seu respectivo descabimento deve ser secundado por todos os integrantes da respectiva turma julgadora. Se um julgador entender que devem ser eles acolhidos, presume-se ser um contrassenso declará-los “manifestamente protelatórios”.
Fonte: Conjur