Começou a funcionar, desde sexta-feira (13/8), o pouco ainda conhecido e divulgado sistema de compartilhamento de dados.
Refiro-me ao open banking (banco aberto).
A proposta, já com relativo tempo de maturação, idas e vindas, é a de facilitar o acesso à produtos, serviços e ofertas, na qual os clientes poderão autorizar a troca de informações pessoais entre instituições bancárias.
Já escrevi sobre o tema, mas permito-me, com a paciência do leitor, oferecer novas considerações.
A sociedade tem sede de tecnologia e dela não podemos mais fugir, nem mesmo os saudosistas das longas conversas na boca do caixa.
Muitos foram os avanços, é verdade, mas é preciso, em alguns setores, a cautela que a precipitação despreza.
Temos, infelizmente, um vasto e fértil território para a prática de fraudes, mesmo com os mais modernos e eficazes mecanismo de segurança.
Os sistemas bancários, notoriamente, são blindados, invioláveis. Entrar, sem consentimento, é impossível.
O Brasil é um dos países mais avançados em sistemas de tecnologia bancária do mundo. Somos referência e exportamos inteligência nessa área.
Também, mas negativamente, neste outro aspecto, somos um país afogado no submundo das fraudes.
Enganar, com todos os respectivos sinónimos, na literal concepção da palavra, é uma habilidade da qual nada nos orgulhamos, enquanto sociedade com valores e princípios bem constituídos.
Mas, é uma triste realidade brasileira.
Uma realidade que custa muito caro para todos, nomeadamente o próprio consumidor.
Estudos revelam que o custo de cada transação fraudulenta para a empresa é 3,44 vezes maior que a operação em si, como exemplo, as despesas de taxas, juros, tempo de investigação, custos legais, dentre outros.
A maior parte dessa conta é vista pelos corredores dos nossos tribunais.
Um mecanismo perverso que movimenta uma logística cara e complexa, sempre a desaguar em prejuízos bilionários, dividida em doses homeopáticas por todos nós.
Parece-nos recente, já que não faz muito, essas fraudes ficavam confinadas apenas no cômodo corpóreo, restritas a nossa identidade meramente física. A apresentação dos nossos documentos pessoais era meio suficiente de combate a fraude.
A migração para o ambiente virtual mudou o alvo, já que deixou de mirar no indivíduo para mirar na artificialização do canal.
Os fraudadores se utilizam das fragilidades dos smartphones -, com mais de 220 milhões ativos, segundo dados da FGV -, para dificultar o rastreamento e ampliar a fertilidade dos golpes, já que possuem menos dispositivos de segurança.
Fato assustador, classificado por especialistas como o “vazamento do fim do mundo”, ocorrido no início do ano corrente, envolveu dados de diversas autoridades brasileiras, nomeadamente dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal .
Essas sensíveis informações pessoais foram postas à venda na internet, após o mega vazamento de 223 milhões de CPFs, além de dados cadastrais, econômicos, fiscais, previdenciários, perfis em redes sociais, escore de crédito e fotografia dos cidadãos.
Diversos países no mundo, sobretudo os pioneiros, a exemplo do Reino Unido, cuja funcionalidade deu-se no ano de 2018, já provam o amargor dos efeitos colaterais.
De olho na demanda, inúmeras já são as empresas que povoam o mercado com ofertas de sistemas como remédios solúveis na prevenção à fraude nessas transações.
No Brasil o modelo adotado do open banking é o opt-in, já que a opção pelo compartilhamento dos dados parte do cliente.
A vontade do cliente, neste modelo, promove a chamada, pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), “autodeterminação das próprias informações” É aqui, neste terreno um pouco movediço, que deve existir um elevadíssimo grau de prudência do cliente no manuseio e entrega dos seus dados.
No campo da responsabilidade civil, embora não seja o nosso objetivo principal nessa análise, mas considerando o cenário que se enxerga lá na frente, o cliente não pode assumir os riscos das diversas e já muito conhecidas armadilhas que andam por todos os lados, pisando sobre elas deliberada e ingenuamente.
Lembremo-nos de que nesse território, dos golpes, em que o cliente tem o poder da decisão, a responsabilidade recai sobre a própria vítima (culpa exclusiva da vítima).
Os golpistas, apesar de todo o esforço com a sofisticação das práticas criminosas, deixam rastros infantis que nos levam rapidamente a suspeitar, mesmo aos que não transitam com frequência nessas áreas condominiais do mundo digital, do anúncio da arapuca armada.
Os exemplos mais clássicos estão no phishing (email), vishing (telefone) e no smishing (SMS). Deixemos, com nossa boa atenção, prudência e cautela, o Judiciário livre de mais uma enxurrada de conflitos desnecessários.
Desconfiem sempre de links suspeitos; não naveguem, concedam e/ou autorizem nada dentro de canais que informem indícios mínimos que sejam de suspeição. A utilização das instituições oficiais, conhecidas, dentro dos canais confiáveis é o caminho mais seguro e garantido.
“Mind the gap” é um aviso a passageiros de trem para lembrá-los do “espaço vazio” entre a porta da composição e a plataforma da estação. O “mind’, nesse caso quer dizer “cuidado “com.” ”
As portas estão abertas, portanto. Agora é para valer. Cuidado para não cair nesse vão entre a plataforma e o golpe.
Marcio Aguiar
Sócio Fundador da Banca Corbo, Aguiar e Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/350759/open-banking–mind-the-gap