[Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo desta quarta-feira (4/2)]
Em 2013 os juízes brasileiros movimentaram nada menos que 18 milhões de processos. O número é empolgante, mas quando tomamos ciência de que no mesmo ano entraram quase 20 milhões de novos pleitos o desânimo se torna inevitável. Esse quadro se agrava ainda mais se considerarmos os inúmeros volumes de cada processo, tal a volúpia em escrever e a prolixidade em se exprimir.
O caminho certamente não é exigir mais dos julgadores. Segundo matéria publicada neste jornal em 3 de novembro de 2014, A fadiga da magistratura, os juízes estão absolutamente exauridos e tornaram-se vítimas dessa sobrecarga, indiscutivelmente desumana.
Em reportagem intitulada Pesquisa mostra baixa confiança no Judiciário e publicada uma semana depois em outro periódico, fica claro o impacto negativo desse contexto perante a sociedade. Contudo, se destrincharmos a raiz dessa desconfiança, percebemos que o motivo maior — felizmente — não reside na qualidade das sentenças proferidas, mas na dificuldade de acesso à Justiça, aos custos envolvidos e, claro, à morosidade dos processos.
Essa terceira causa, a morosidade dos processos, merece atenção especial. As súmulas vinculantes e a informatização dos tribunais trouxeram avanços importantes. Todavia os números acima indicam que é preciso fazer mais, muito mais. É urgente intensificar a informatização. Ela poderia significar, em primeiro lugar, o fim do suporte papel. O papel já cumpriu o seu papel, pode-se afirmar, com ênfase na polissemia do idioma.
Mas há também uma oportunidade para dinamizar o rito judicial que permanece inexplorada: incentivar a concisão e a objetividade, criando condições tangíveis e praticáveis para que julgadores recebam menos informações — porém, mais estruturadas e claras — e a partir disso eles sejam capazes de retornar com decisões mais rápidas.
Para que isso ocorra, em primeiríssimo lugar, há que reconhecer a incapacidade dos magistrados de absorver, interpretar e processar o excesso de conteúdo dos milhares de demandas que chegam aos tribunais todos os dias. Nesse sentido, cabe relembrar as palavras do ministro Cezar Peluso à época em que presidia o Supremo Tribunal Federal: “É humanamente inconcebível para um ministro trabalhar em todos os processos que recebe, pois ninguém dá conta de analisar 10 mil ações por ano”. Ninguém consegue ler petições com dezenas de páginas, a maior parte delas copiada de doutrina ou jurisprudência, reproduzidas apenas para impressionar o julgador. Este precisa ler o que lhe é apresentado, mas de forma sintética, pois um direito que teve de ser explicitado em muitas laudas não deve ser tão tranquilo assim.
Ora, se os juízes são incapazes de ler uma boa parte do que lhes é enviado, por que persistir no envio de uma verdadeira poluição de informações para cada petição? O ministro Peluso costumava dizer que a causa raiz da maioria dos problemas enfrentados pelo Poder Judiciário é ter de lidar com o volume desnecessário de informações levadas aos tribunais.
Ao nos aprofundarmos nessa questão, deparamos com um episódio emblemático: a queda de braço entre advogados e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) durante a fusão da Sadia com a Perdigão. De um lado, os advogados esbravejavam inconformados com a demora do processo. Do outro, o relator do Cade rebatia esses argumentos, afirmando: “O tempo de análise decorreu da condução do processo pelas empresas (…), que acham que mostrar 19 pareceres é normal!”. De fato, encarar quase duas dezenas de pareceres não deve ser tarefa fácil, muito menos rápida.
Na Corregedoria-Geral da Justiça foi tentado implementar o Projeto “Petição 5-Sentença 5”, para incentivar os juízes e advogados a não se utilizarem de mais do que cinco laudas para suas petições, alegações, razões ou decisões. Não vingou. Mas ao menos foi firmado um protocolo instituindo a “Petição 10”. Dez laudas é um espaço mais do que suficiente para exprimir ideias, formular pretensões ou para mostrar as razões que levam a decidir de uma ou de outra forma.
Isto posto e tomando como verdades 1) a incapacidade dos julgadores e 2) o excesso de conteúdos desnecessários, entendemos que o caminho para amenizar essas desventuras em série requer um primeiro passo fundamental: os juízes deveriam assumir uma atitude proativa e estabelecer um ambiente favorável para que advogados dispostos a ofertar peças processuais enxutas, estruturadas e objetivas sejam consagrados com decisões mais rápidas. Simples assim.
Estamos seguros de que, se os advogados forem incentivados a praticar concisão com qualidade e em contrapartida suas causas receberem atenção e ritmo especial, haverá uma verdadeira revolução no status quo jurídico, principalmente no que tange à agilidade e à eficiência. Essa inovação certamente resgatará a confiança — ou boa parte dela — da sociedade brasileira na Justiça do país.
Sabemos que chegar à concisão com qualidade não é tarefa fácil, requer tempo e muita reflexão. Mark Twain costumava dizer: “Desculpe não ter escrito uma carta mais curta, faltou tempo!”. Que juízes e advogados desvendem junto o poder da concisão. O esforço certamente valerá a pena e seus efeitos positivos serão festejados não somente por eles, mas por toda a sociedade.
Todavia, antes disso, é preciso conscientizar a classe jurídica de que a objetividade, a clareza e a concisão podem fazer milagres em relação ao funcionamento do Judiciário.
Complicar é fácil. O difícil é ser simples. E se a Justiça não vier a se tornar simples, poderá ser descartada por outras fórmulas mais ágeis e econômicas de resolver questões humanas controvertidas.