A possibilidade do financiamento de arbitragem por terceiros

Por Felipe Moraes e Heitor Castro Cunha

Sem dúvidas o momento mais oportuno para a escolha da arbitragem como método de resolução de conflitos é aquele da celebração do contrato por meio da inserção da cláusula compromissória. Neste lapso, ambas as partes estão confiantes e otimistas no resultado positivo da sua nova parceria e, por consequência natural, elegerão a maneira mais célere e eficiente para solucionar os eventuais conflitos.

A predileção pela arbitragem como forma de resolução de disputas empresariais decorre, em certa medida, dos seguintes fatores: i) os benefícios da arbitragem [1], ii) segurança jurídica decorrente da previsão legal [2] e iii) a qualidade das decisões das Cortes Estatais e sobretudo dos Tribunais Superiores. [3] O resultado é notório, pois verifica-se significativo aumento no número de novos casos e nos valores envolvidos nas disputas. [4]

Uma vez que as partes escolhem a arbitragem como meio de resolução de disputas, todas as questões envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis, oriundas daquela relação contratual, serão submetidas à apreciação dos árbitros.

Sempre que a arbitragem é escolhida como o método de solução de controvérsias, o recolhimento de custas será condição para sua instauração. Tanto a Câmara escolhida pelas partes quanto os profissionais que serão indicados como árbitros deverão receber a remuneração pela respectiva atividade (taxas e honorários). Normalmente as custas serão calculadas proporcionalmente ao valor da causa. [5]

Além dessas custas existem outros valores que também devem ser contabilizados quando se trata de procedimento arbitral, contratação de um escritório advocatício e de experts (peritos) por exemplo, que por sua vez demandarão ainda mais recursos das partes.

Visando garantir o prosseguimento da arbitragem e a remuneração dos árbitros durante o procedimento, os Regulamentos das principais Câmaras de Arbitragem, como a Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional –Paris (CCI) [6], Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) [7] e Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb) [8], preveem regras determinando que as custas deverão ser recolhidas no início do procedimento, permanecendo, portanto, caucionadas desde o início da arbitragem.

Considerando que a situação econômica das empresas poderá oscilar durante o cumprimento do contrato, não raras vezes as partes litigantes poderão enfrentar dificuldades financeiras, a ponto de não possuírem recursos suficientes para arcarem com as despesas. Isso, sobretudo no atual cenário econômico, vem se mostrando um empecilho para a instauração de algumas arbitragens.

Indo além, há ocasiões em que o único ativo financeiro que uma empresa possui é justamente uma expectativa de direito oriunda de uma possível demanda a ser proposta contra outrem, a exemplo do caso da empresa canadense Crystallex. [9] Assim, a falta de recursos financeiros de uma das partes, de fato, pode ser um entrave para a instauração do procedimento arbitral, visto que não existe nesta modalidade de jurisdição a assistência judiciária ou “justiça gratuita”. [10]

O fato é que, a despeito dos custos envolvidos, a arbitragem ainda assim se mostra extremamente vantajosa em relação às outras formas de resolução de conflitos. E é justamente neste espírito que, hoje, no mercado existe solução apta a viabilizar, no todo ou em parte, os recursos necessários para a instauração (ou prosseguimento) da arbitragem.

Na origem o TPF é a sigla da expressão em inglês para third-party funding que, no Brasil, é chamado de Financiamento de Arbitragem por Terceiros. O TPF pode ser definido como: a relação na qual um terceiro (financiador profissional) alheio à lide, financia as custas e demais despesas devidas por uma das partes envolvidas na arbitragem em troca de participação em eventual resultado financeiro obtido com o êxito da arbitragem (seja por sentença ou acordo).

Destarte, cumpre esclarecer que este mercado possui portfólio variado de produtos envolvendo o financiamento das arbitragens. Dentre as possibilidades existentes no mercado, o Funder ou Financiador poderá:

i) financiar a integralidade ou parte das custas e despesas necessárias para a instauração da arbitragem (taxas, honorários, experts, peritos, escritório de advocacia, dentre outras), sendo remunerado, tão somente por uma participação em eventual resultado da arbitragem (sentença ou acordo). Nessa modalidade, o Funder somente será remunerado em caso de êxito do financiado, assumindo integralmente o risco pelo recolhimento das custas;

ii) emprestar o valor referente às custas, sendo remunerado por (a) uma taxa de juros previamente estabelecida, independentemente do resultado da arbitragem e, (b) um bônus de sucesso em um eventual acordo ou sentença favorável;

iii) adquirir os créditos decorrentes de sentença ou decisão arbitral, com deságio a ser acordado pelas partes, oferecendo liquidez para o financiado e assumindo os riscos envolvidos na execução da sentença.

Para Nieuwveld e Shannon, existem três principais motivos que possibilitam o crescimento do TPF. O primeiro deles é a política pública do acesso à justiça para aqueles que não possuem recursos financeiros suficientes para arcarem com as despesas da demanda. O segundo fator está atrelado à necessidade de algumas empresas manterem o fluxo de caixa disponível para exercer a atividade empresarial usual. Por fim, o terceiro fator apontado pelas autoras está relacionado ao mercado incerto que incentivou os hegde funds, bancos e várias outras instituições financeiras a buscarem investimentos que não estão diretamente ligados à volatilidade do mercado.  [11]

Nesse sentido, o contrato de TPF realizado por uma instituição especializada consegue gerar ganhos para a parte financiada e também para o investidor. Poder-se-ia inclusive fazer a seguinte comparação: o TPF está para as arbitragens assim como o private equity (PE) e o venture capital (VC) [12] estão para as Startups. Assim como o PE e o VC, o TPF não representa apenas o aporte de recursos financeiros, mas sim de um verdadeiro instrumento de auxílio jurídico, legal e operacional para uma parte que deseja ser financiada —sem assumir o controle das decisões decorrentes da legitimidade processual. O TPF buscará minimizar os riscos de seu investimento, contribuindo com o cliente com esforços comuns para se alcançar o êxito na sentença.

Além do auxílio oferecido pelo Fundo, a opção pelo financiamento poderá decorrer de análise jurídico e financeira. Poucos são os CFOs [13] que conhecem essa possibilidade financeira para viabilizar os valores necessários via Funder, liberando o capital próprio para ser alocado em investimentos e operações da própria empresa com rentabilidade superior. Por esse motivo, poderá o departamento jurídico ou o escritório contratado, após análise legal e estratégica, apresentar essa opção aos executivos da empresa.

Diante disso, o Financiamento de Arbitragens por Terceiros pode ser a única forma de viabilizar o acesso à arbitragem para empresas em crise. Ademais, a participação de um Funder ou Financiador poderá contribuir até mesmo para a obtenção do êxito na arbitragem.


1 Os benefícios da arbitragem são, principalmente: i) o sigilo, ii) celeridade iii) escolha da lei a ser aplicada e iv) a especialidade das decisões e a possibilidade de escolha do julgador.

Nesse sentido, ver também: TIMM, Luciano Benetti. Arbitragem nos contratos empresariais, internacionais e governamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009 (p. 23-24) e PINTO, José Emilio Nunes. Arbitragem e o desenvolvimento econômico. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 6, nº 20, p. 66-73 – jan.-mar./2009; (p. 72)

2 Atualização da Lei de Arbitragem com a redação dada pela Lei 13.129 de 2015: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm .

3STF. SEC nº 5.206. Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 12/12/2001, DJe 30/04/2004. e STJ , REsp 1302900/MG, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 09/10/2012, DJe 16/10/2012)

4 Arbitragem no Brasil cresce 47% em quatro anos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/casos-arbitragem-brasil-crescem-47-quatro-anos-aponta-pesquisa> Publicado em: 10 abr. 2014 e http://www.conjur.com.br/2016-jul-15/solucoes-arbitragem-crescem-73-seis-anos-mostra-pesquisa Publicado em: 12 de julho de 2016.

5 Supondo um litígio com valor estimado de R$3.500.000,00 (o que é razoável se tratando de procedimento arbitral), as custas médias relativas a uma demanda arbitral com este valor, considerando um Tribunal Arbitral composto por 3 (três) árbitros, podem variar de R$ 200.000,00 (no caso da CAMARB) até R$ 500.00,00 a depender da Câmara escolhida.

6Regulamento de Arbitragem da CCI: 36(2) Logo que possível, a Corte estabelecerá o valor da provisão que seja suficiente para cobrir os honorários e despesas dos árbitros e as despesas administrativas da CCI relativos às demandas que lhe tenham sido submetidas pelas partes, salvo demandas submetidas nos termos do artigo 7° ou 8°, casos em que o artigo 36(4) será aplicado. A provisão para os custos de arbitragem fixada pela Corte nos termos do artigo 36(2) deverá ser paga pelo requerente e pelo requerido em parcelas iguais.

7Regulamento de Arbitragem CAM-CCBC: “12.2. A Taxa de Administração devida ao CAM-CCBC será exigida da parte requerente, a partir da data de protocolo da notificação ao Presidente requerendo a instituição da arbitragem, e da parte requerida, a partir da data de sua notificação.

12.7. Cada parte depositará no CAM-CCBC sua quota parte do valor dos honorários dos árbitros, correspondentes a um mínimo de horas definido na Tabela de Despesas ou a um percentual sobre o valor da causa. O referido depósito deverá ser realizado no prazo definido na Tabela de Despesas.

8Regulamento de Arbitragem da CAMARB: 11.6 No ato de celebração do Termo de Arbitragem, o(s) requerente(s) depositará(ão) metade do total da taxa de administração e dos honorários de árbitros, enquanto o(s) requerido(s) depositará(ão) a outra metade, segundo os critérios definidos neste Regulamento, salvo decisão diversa do Tribunal Arbitral.

9 Relata Duarte Henriques: “A empresa canadiana Crystallex havia sido expropriada da sua unidade de exploração mineira na República Bolivariana da Venezuela, tendo por isso iniciado uma arbitragem no Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos – ICSID (vulgarmente denominada ‘arbitragem de investimento’ ou ‘arbitragem ICSID’). Posteriormente, a Crystallex procurou obter financiamento por meio da emissão de títulos de dívida no montante de USD 120 milhões destinados ao pagamento a credores e a fazer face às despesas do processo da arbitragem de investimento. Não tendo obtido sucesso nessa operação, a empresa entrou em processo de insolvência e solicitou ao tribunal canadiano que concedesse autorização para obter financiamento alternativo, para ambas as finalidades apontadas. Foi então autorizada a realização de uma operação de financiamento que envolvia a injecção de capital na empresa dirigida a pagamento de credores, desenvolvimento das operações da empresa e promoção da arbitragem de investimento. Neste financiamento, a entidade financiadora (“Tenor Capital”), além de obter diversas garantias para pagamento dos seus créditos, nomeou também dois dos cinco membros do conselho de administração da empresa supervisionada. A particularidade deste financiamento reside na circunstância de uma parcela do financiamento ser objeto de liquidação em termos similares aos financiamentos obtidos nos mercados financeiros (liquidação de capital e juros) e a outra estar submetida ao regime puro do ‘third-party funding’, ou seja, está submetida ao risco associado ao resultado do processo. ” (HENRIQUES, 2015, p. 579) HENRIQUES, Duarte Gorjão. “Third Party Funding” ou o Financiamento de Litígios por terceiros em Portugal. Revista da Ordem dos Advogados de Portugal. Lisboa, ano 75, n. 3-4, p. 573-624, jul-dez 2015;

10 Nesse sentido, Ferro, Marcelo Roberto. O Financiamento de arbitragens por terceiro e a independência do árbitro, in CASTRO, Rodrigo R. de Monteiro et al., Direito empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 626.

11 Nieuwvald, Lisa Bench e Shannon, Victoria. Third-party Funding in International Arbitration. Alphen Aan Den Rijn: Kluwer Law International, 2012, p. 11.

12“Uma primeira característica dos investimentos PE/VC é o papel ativo do gestor do fundo em identificar uma companhia com potencial para ser investida, negociar e estruturar a transação, intervir na gestão da companhia e monitorar o portfólio de companhias após a realização dos investimentos. Assim, um investimento PE/VC é consideravelmente diferente de uma seleção passiva de ativos, com a mera compra e retenção dos papéis, sem maiores interações com a companhia investida, como pode acontecer com outras modalidades de investidores. ” (LOBO; PONTENZA, 2016, p. 268) LOBO, Carlos Alexandre; PONTENZA, Guilherme Peres. Investimentos venture capital e private equity: considerações práticas e jurídicas. In: BOTREL, Sérgio; BARBOSA, Henrique (coord.). Finanças corporativas: aspectos jurídicos e estratégicos. 1. Ed. – São Paulo: Atlas, 2016.

13Chief Financial Officer.

 

 é advogado e secretário geral da Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb). Mestre em Direito Privado e especialista em Direito Público. Professor da Pos-graduação e do LLM do IBMEC. Treinado em Mediação Empresarial (Business Mediation) pelo CPR Conflict Prevention and Resolution – NY.

Heitor Castro Cunha é Secretário de Procedimento na Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb).

Novas regras para distrato de contratos de imóveis na planta

Por Claudia Lima Marques e Daniela Corrêa Jacques Brauner

O contrato de incorporação imobiliária é um contrato de consumo[1] e, como tal, submete-se aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), também regulado por lei especial, a Lei 4.591/64, a qual representou um grande avanço para a regulação no setor imobiliário na época, ao tratar do tema da promessa de compra e venda e da incorporação como forma de facilitar o acesso à casa própria enquanto desejo a ser perseguido pela maioria da população brasileira. Mas, ao contrário do que pode parecer, a lei especial de 1964 não regulou o tema do distrato. Esse tema continua em debate no meio jurídico, tendo como pano de fundo a denominada “crise do setor imobiliário”, pois, com o superendividamento dos consumidores, desemprego em alta e o contexto de crise econômica vivenciada pelo país nestes últimos anos, muitos consumidores enfrentam a dura realidade de ter que devolver os imóveis[2].

O grande número de “devoluções” de imóveis pelos pretensos compradores, desfazendo negócios que, pela lei especial, seriam irretratáveis, tem levado o setor imobiliário a pedir a elaboração de uma medida provisória, sem que seja necessário um maior aprofundamento de discussões na sociedade civil, pretendendo impor regra que autorize a “retenção de até 80% dos valores pagos pelos adquirentes”.

É preciso pontuar que o artigo 53 do CDC veda cláusulas de decaimento, em que o consumidor perde todos (ou quase todos) os valores pagos para aquisição da casa própria[3], como a proposta em discussão pelo setor representante das construtoras/incorporadoras. A análise do discurso a respeito da necessidade de regular o distrato deve iniciar pelo questionamento do verdadeiro sentido de se considerar irretratável o contrato de aquisição de propriedade por incorporação imobiliária na Lei 4.591/64, bem como da suposta insegurança jurídica que o desfazimento desses contratos estaria gerando no seio social. O escopo da lei da década de 1960, como se observa na leitura de seus dispositivos, foi a proteção do adquirente-consumidor, trazendo, como decorrência, uma série de artigos a respeito da necessidade de registro do incorporador e transparência na consecução de seus negócios.

O contexto histórico da lei especial sobre incorporações também revela que a grande preocupação estaria em tutelar o adquirente em relação ao negócio futuro, pois o bem imóvel ainda estaria por ser construído[4]. Veja-se que essa preocupação não era infundada na época, considerando que o Decreto-Lei 58/37, que trata sobre o loteamento e venda de terrenos para pagamento por prestações, trouxe a regulamentação dos efeitos da promessa de compra e venda e adjudicação compulsória para os adquirentes que, sem qualquer segurança jurídica, perdiam imóveis em razão de cláusulas de arrependimento e compromissários vendedores que não cumpriam com os contratos, sem gerar qualquer consequência como direito real.

Deve-se sublinhar que o Código Civil de 1916, principal instrumento legislativo para a regulação dos atos da vida civil, como a realização de contratos, não previa hipóteses de resolução sequer por atos imprevisíveis. O artigo 478 do novo Código Civil de 2002 inaugura essa hipótese, que já vinha sendo admitida pela doutrina e no Direito Comparado. E assim, em um contexto em que os dogmas do individualismo como o princípio do pacta sunt servanda e da autonomia da vontade acabavam sendo cada vez mais questionados no contexto da sociedade de massa[5]. Os princípios do CDC passam a integrar e reger todos os contratos, principalmente tendo em consideração o princípio da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da transparência tão caros ao Direito do Consumidor[6].

Mencione-se, ainda, que a Constituição de 1988 trouxe como direito fundamental também o direito à moradia, que não se confunde com o mero direito de propriedade, a revelar que a proteção do adquirente da casa própria ganha status constitucional, levando-se em conta direito social reconhecido em tratados internacionais pela República Federativa do Brasil.

A análise desses instrumentos legislativos, a partir de um olhar apurado da doutrina pelo método do diálogo de fontes, revela que é preciso atentar ao sujeito vulnerável no mercado de consumo e reconhecer que a aplicação conjunta dessas normas, gerais e especiais, deve estar orientada pelos valores constitucionais[7]. Especialmente no setor imobiliário, aquele que adquire o produto final — imóvel — está adquirindo o sonho da casa própria.

Portanto, se passamos um período de recessão para esse setor, em razão da resolução de contratos de compra e venda de imóveis na planta, é preciso pontuar que recessão muito mais profunda já está implantada nas famílias desses consumidores que, como última saída, desistem da aquisição de seu mais precioso bem em razão de não terem mais condições financeiras de se manterem adimplentes nos contratos. O risco sistêmico é que se estes já superendividados consumidores tiverem que assumir agora — pois a medida provisória entraria imediatamente em vigor, revogando as normas que o consumidor confiou quando adquiria seu imóvel — o mercado brasileiro consumidor todo vá a bancarrota, criando crise sem precedentes nas famílias e no mercado brasileiro, apenas para beneficiar um setor econômico[8]!

Note-se que, se o consumidor vai ao distrato, essas resoluções normalmente ocorrem em razão de fatores externos, decorrentes do momento econômico atual, como a perda do emprego e diminuição de renda que fazem com que o consumidor não consiga mais efetuar o pagamento das prestações. Vivenciam situações de superendividamento, colocando em risco a própria dignidade e sobrevivência em razão das dívidas contraídas[9].

A ausência de legislação específica sobre o percentual relativo à retenção na hipótese de resolução por inadimplemento levou os tribunais a considerarem que devem ser devolvidas as parcelas pagas com uma compensação de 10% a 25% dos valores pagos pelos consumidores[10]. Veda-se o enriquecimento sem causa do fornecedor e o desequilíbrio do contrato, aplicando-se os princípios do CDC que protegem contra as abusividades no mercado de consumo. Também coube à jurisprudência fixar a forma de devolução em súmula do STJ que estabelece a devolução imediata dos valores pagos pelos consumidores[11].

A forma unânime como os tribunais têm se posicionado, em especial o Superior Tribunal de Justiça, demonstram que o tema é da maior importância e não apresenta atualmente qualquer “insegurança” aos contratos em geral ou antijuridicidade, nem emergência ou necessidade de ser regulado por medida provisória. Ao contrário, o que se deve fazer é atualizar o CDC para regular a questão dos consumidores superendividados. O volume de processos jurídicos sobre o tema retrata não apenas uma faceta da denominada crise do setor, mas a dificuldade dos consumidores de se manterem no sonho da aquisição da casa própria e, mais ainda, a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário para o reconhecimento de direitos já consolidados no âmbito jurisprudencial.

Assim, causa espécie o conteúdo extremamente prejudicial aos consumidores que apresenta esse projeto por meio de medida provisória. Deve-se pontuar que já havia ocorrido, no início de 2016, uma tentativa do setor imobiliário em regular os distratos por meio de um “pacto”, intermediado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e com participação da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor. Esse “pacto” foi duramente criticado pelas entidades envolvidas na defesa do consumidor por afronta aos dispositivos do CDC, com previsão, por exemplo, que a publicidade não contivesse dados obrigatórios de cumprimento para os fornecedores, devendo valer apenas as disposições contidas no contrato. No que concerne à resolução por inadimplemento do consumidor, esse perderia um total de 10% do valor do imóvel, mais perda de arras, o que poderia totalizar quase a totalidade dos valores, por ele, pagos. O movimento consumerista conseguiu que a Senacon se retirasse desse chamado “pacto”, que deveria ter validade nacional.

Eis que tentam ser reascendidos os dispositivos do “pacto” sob a forma de uma medida provisória. A forma, nesse ponto, é tão relevante quanto o conteúdo, considerando que as medidas provisórias se destinam a regular questões de relevância e urgência na forma do artigo 62 da Constituição Federal. Na contramão da exigência formal do ato normativo mencionado, a necessidade de um debate é essencial para que a sociedade possa ser esclarecida das consequências que esses dispositivos terão na vida de milhares de cidadãos pretendentes a adquirir imóvel por meio de compra na planta.

A proposta de medida provisória prevê que, no caso de resolução por inadimplemento: “Em qualquer das hipóteses, o adquirente fará jus à restituição de quantia nunca inferior a 20% (vinte por cento) dos valores por ele pagos ao incorporador, excetuando-se os valores correspondentes a eventual multa por atraso no pagamento das parcelas e juros incidentes ao referido atraso”.

Percebe-se que a mudança proposta é radical: de uma jurisprudência que garante de 90% a 75% de restituição dos valores pagos, propõe-se uma restituição de apenas 20% desses valores! É claro que argumentarão que esses valores serão maiores caso o consumidor tiver pago mais pelo seu imóvel, por exemplo, se tiver pago R$ 200 mil de um imóvel que vale R$ 500 mil, perderá “apenas” R$ 50 mil já pagos, acrescido de outras multas e encargos. No entanto, sabe-se que as vendas de imóveis na planta normalmente financiam em média de 20% a 30% do valor do imóvel. Assim, se o imóvel vale R$ 500 mil, o valor despendido nesse contrato gira em torno de R$ 150 mil, divididos em uma média de 60 prestações, incluída a entrada, pagamento de parcelas intermediárias e comissão de corretagem. Muitas vezes, o que já foi adimplido antes do distrato não corresponde a 15% do imóvel, assim, a multa, na maioria dos casos, acabará gerando quase ou a perda total dos valores pagos com a “garantia” de restituição de 20% do que se pagou.

O fornecedor receberá de volta o bem, muitas vezes valorizado, livre e desembaraçado para negociar novamente no mercado pelo preço total. A regulamentação proposta tem em conta, ainda, revogar a súmula do Superior Tribunal de Justiça que determina a imediata devolução dos valores pagos pelo consumidor, para que os fornecedores efetuem essa devolução apenas no encerramento das obras. Mais uma vez, trata-se de transferência abusiva dos riscos para o consumidor.

Portanto, a regulação que pretende ser feita por meio de medida provisória, alterando de forma drástica as normas atuais e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, representará significativa afronta à legislação consumerista em vigor, ao Código Civil e à Constituição Federal, deixando de proteger o consumidor e restringindo direito fundamental relativo à moradia. Sob um alarde de crise, os direitos dos consumidores, de ordem pública e função social, não podem ser simplesmente aniquilados, diminuídos sem qualquer discussão na seara política.


[1] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 8. ed., Ed. RT: São Paulo, 2016, p. 423 e seg.
[2] Veja LIMA, Clarissa Costa de. Medidas preventivas frente ao superendividamento dos consumidores na União Europeia. Revista de Direito do Consumidor, vol. 76, p. 239-259.
[3] Veja SÁ, Jacira Xavier de. A cláusula de decaimento e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 31, p. 50 e seg.
[4] Como refere a obra clássica de Caio Mário, é um contrato de grande risco para o consumidor. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Código de Defesa do Consumidor e as incorporações imobiliárias. RT 712, fev. 1995, p. 102 e seg.
[5] Veja LIMA, Clarissa Costa de. A resolução do contrato na nova teoria contratual. Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, jul.-set. 2005, p. 85 e seg.
[6] Veja detalhes na bela obra de TOSCANO DE BRITO, Rodrigo Azevedo. Incorporação imobiliária à luz do CDC. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 10 e seg.
[7] Veja MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências jurídicas de um conceito. Revistade DireitodoConsumidor, vol. 43, jul.-set. 2002, p. 111 e seg.
[8] MARQUES, Claudia Lima; LIMA, Clarissa Costa de. Nota sobre as conclusões do Banco Mundial em matéria de superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, vol.89, p. 453-457.
[9] Cláudia Lima Marques conceitua superendividamento como a impossibilidade de o devedor de boa-fé de saldar as suas dívidas, colocando em risco a sua sobrevivência. Veja sua introdução na obra MARQUES, Claudia Lima; CAVALLAZI, Rosângela (org.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Ed. RT, 2006. E MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, vol. 75, p. 9 e seg.
[10] Vide no STJ, AgInt no REsp 1361921/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 23/6/2016, DJe 1º/7/2016.
[11] Verbete 543 STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.

 

 é advogada, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora pela Universidade de Heidelberg e mestre em Direito (L.L.M.) pela Universidade de Tübingen. É ex-presidente do Brasilcon e diretora da Revista de Direito do Consumidor.

Daniela Corrêa Jacques Brauner é defensora pública federal, mestre e doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2017, 8h00

http://www.conjur.com.br/2017-mar-01/garantias-consumo-novas-regras-distrato-contratos-imoveis-planta

Reajuste de plano de saúde por idade é válido se previsto em contrato

Havendo previsão em contrato, os planos de saúde podem reajustar a mensalidade conforme a faixa etária do usuário. De acordo com a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, contudo, esse aumento deve ser em percentual razoável.

A tese aprovada pelos ministros ao julgar recurso repetitivo foi a seguinte: “O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.

De acordo com o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, os reajustes, nessas circunstâncias, são previamente pactuados, e os percentuais são acompanhados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Além disso, os reajustes encontram fundamento no mutualismo e na solidariedade intergeracional, sendo uma forma de preservar as seguradoras diante dos riscos da atividade.

O ministro afirmou que os custos das operadoras com segurados idosos são até sete vezes maiores do que com os demais segurados, o que justifica a adequação feita para equilibrar as prestações de acordo com a faixa etária.

Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, explicou o relator, o ordenamento jurídico brasileiro acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, que força os mais jovens a suportar parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).

“Para a manutenção da higidez da saúde suplementar, deve-se sempre buscar um ponto de equilíbrio, sem onerar, por um lado, injustificadamente, os jovens e, por outro, os idosos, de forma a adequar, com equidade, a relação havida entre os riscos assistenciais e as mensalidades cobradas”, afirmou.

O que é vedado, segundo o relator, são aumentos desproporcionais sem justificativa técnica, “aqueles sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato”. O relator lembrou que esse princípio está previsto no artigo 15 do Estatuto do Idoso.

No caso analisado, o recurso da usuária foi negado, já que havia previsão contratual expressa do reajuste e o percentual estava dentro dos limites estabelecidos pela ANS. Os ministros afastaram a tese de que a operadora teria incluído uma “cláusula de barreira” para impedir que idosos continuassem segurados pelo plano. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.568.244

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2017, 16h52

http://www.conjur.com.br/2017-mar-01/reajuste-plano-saude-idade-valido-previsto-contrato

Chuva é evento previsível e não motivo de força maior em acidente de trabalho

A chuva é evento previsível durante a condução de veículos e, portanto, não caracteriza motivo de força maior para a ocorrência de acidente de trabalho que poderia ter sido evitado com a adequada manutenção das condições de segurança do veículo. Com esses fundamentos, a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, adotando o entendimento da relatora, desembargadora Cristina Maria Valadares Fenelon, julgou favoravelmente o recurso de um trabalhador, vítima de acidente com motocicleta, para condenar a empregadora a lhe pagar indenização de R$ 8 mil por dano moral e de R$ 12 mil por dano estético.

Ficou demonstrado que o empregado, embora contratado como estoquista, sofreu dois acidentes de trabalho que lhe causaram lesões quando, exercendo atividades estranhas à função contratada, fazia entregas de mercadorias para a empregadora, com o uso de motocicleta. E, num desses acidentes, ele não conseguiu frear a moto em pista molhada pela chuva, devido ao mau estado dos pneus, que estavam carecas.

O juiz de primeiro grau indeferiu as indenizações, por não identificar situação de risco na atividade de estoquista normalmente desenvolvida pelo reclamante e entender que o serviço de entrega de mercadorias ocorria apenas eventualmente. Mas a relatora entendeu de forma diferente. Para ela, o fato de o reclamante ter feito entregas a pedido da ré apenas eventualmente, tendo em vista que essa atividade não fazia parte do ramo de atribuições do estoquista, não exclui a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes dos acidentes de trabalho. Até porque eles ocorreram em virtude da negligência da empresa na adoção das medidas de proteção e segurança do trabalhador.

Além disso, a desembargadora observou que a própria empresa admitiu que o reclamante, além das funções de estoquista, também atuava como motociclista-entregador sempre que faltava algum empregado, reconhecendo, inclusive, que ele “sofreu acidente de motocicleta fazendo entregas”.

Apesar de a perícia não ter constatado incapacidade de trabalho, ressaltou a julgadora que a simples existência das lesões decorrentes dos acidentes basta para demonstrar o abalo moral do trabalhador, ofendido em sua integridade física, o que certamente lhe trouxe preocupações, angústia, dor e sofrimento. Quanto ao dano estético, segundo a desembargadora, ele também esteve presente no caso, como resultado da diminuição da harmonia corporal do reclamante, já que as quedas de motocicleta lhe deixaram cicatrizes no braço esquerdo e na região dorsal, “profundas e expressivas”, conforme se demonstrou por fotografias. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3. 

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2017

http://www.conjur.com.br/2017-fev-22/chuva-evento-previsivel-nao-motivo-forca-maior-acidente

Contagem de prazo processual em dias úteis também vale para juizados

A contagem de prazos processuais em dias úteis, prevista no Código de Processo Civil de 2015, em nada afeta a celeridade do processo e ainda prestigia o contraditório e a ampla defesa. Assim entendeu a 1ª Turma do Colégio Recursal dos Juizados de Campinas (SP).

O entendimento foi aplicado em um processo que discutia, além de a regra a ser cumprida na contagem de prazos processuais, a decadência da venda de um terreno. Em seu voto, o relator da ação, juiz Ricardo Hoffmann, afirmou que o uso de dias úteis não resulta em morosidade ou “retarda o processo por tempo significativo”.

Os problemas apontados durante a elaboração do CPC de 2015 como influenciadores da morosidade, continuou o relator, foram os excessos de formalismo do processo no Brasil, de litigiosidade e de recursos. O juiz destacou ainda que a contagem de prazos em dias úteis já foi prevista em diversos enunciados de entidades ligadas à magistratura e aos juizados especiais.

Citou como exemplos o enunciado 45 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), o enunciado 13 do Fórum Nacional de Juízes Estaduais (Fonaje), que foi alterado posteriormente, e o enunciado 10 do Conselho Supervisor do Sistema de Juizados Especiais. Esse último dispositivo garante o uso das regras do CPC na contagem de prazos.

Na ação, o argumento para justificar a contagem contínua de prazos foi o de que a regra dos dias úteis vai contra a razoável duração do processo, além de incompatível com o princípio da celeridade, previsto na Lei 9.099/95. “Tal argumento não é convincente, porque é por demais sabido que alguns dias a mais na contagem de prazos processuais não implicam morosidade e nem retardam o processo por tempo significativo, mas, antes disso, homenageia os princípios do contraditório e da ampla defesa”, rebateu Hoffmann.

O relator ainda aproveitou para destacar que outro argumento dos defensores dos prazos contínuos, de que a aplicação subsidiária do CPC não é definida pela Lei 9.099/95, é inválido, pois a suposta omissão está longe de ser um entrave.

“Nem se diga, ademais, que o fato de o legislador da Lei 9.099/95 ter abordado apenas no artigo 92 a aplicação subsidiária do CPP configuraria justificativa para a contagem de prazos de modo contínuo (como prevê o artigo 798 do CPP), uma vez que, à evidência, o artigo 92 está inserido especificamente na parte criminal da lei 9.099/95, só sendo aplicável a esta”, complementou.

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2017

http://www.conjur.com.br/2017-fev-22/contagem-prazo-processual-dias-uteis-tambem-vale-juizados

 

 

Perdas em venda de ação por suspeita de fraude não geram dano moral

A perda de valor de uma ação é até esperada dentro do mercado de ações, que é conhecido por seus riscos e vive da volatilidade do preço dos papéis negociados para promover sua compra e venda. Assim entendeu o juiz Tiago Bitencourt de David, da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo, ao negar ação movida por uma empresa especializada em investimentos mobiliários.

A companhia alegou que perdeu uma chance ao vender as ações do PanAmericano após a divulgação de que a instituição foi alvo de uma fraude bancária.

Em 2010, foi descoberto um esquema de maquiagem contábil, iniciado em 2006, que garantia a venda de créditos do banco ao mesmo tempo em que esses produtos eram mantidos como seus ativos.

Segundo a denúncia, esses negócios envolvendo o PanAmericano eram registrados com valor maior do que o real, o que impactou, inclusive, na abertura de capital do banco, feita em 2007. Em 2009, a Caixa Econômica Federal comprou 49% das ações com direito a voto e 20% das preferenciais da instituição.

A descoberta partiu do Banco Central, quando ele comparou os valores das operações do PanAmericano com a de outras instituições financeiras no Brasil. Para sanar o problema, o controlador do banco, o apresentador Silvio Santos, deu bens próprios como garantia junto ao Fundo Garantidor de Crédito por um empréstimo de R$ 2,5 bilhões.

Além do PanAmericano, o autor acionou a Caixa Econômica Federal, a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central e a Consultoria Delloite. Todos os citados disseram que não poderiam figurar na ação por suas ilegitimidades.

O banco PanAmericano, além de alegar a ilegitimidade por se considerar vítima do crime, disse que o autor da ação sabia dos riscos do mercado de capitais e que tinha comprado, inclusive, os papéis com preço menor do que o cobrado no começo do ano em que o escândalo de fraude envolvendo a instituição financeira estourou.

Para Tiago Bitencourt, o PanAmericano tem razão. Ele destacou em sua decisão que o risco “é da essência do mercado de ações” e que a experiência do autor da ação na compra e venda de bens mobiliários impede a caracterização de perda de uma chance.

A autora da ação, segundo Bitencourt, “não é ingênua e nem neófita nas transações econômicas, mas, muito pelo contrário, sendo perita no metiê não pode alegar desconhecimento dos riscos do próprios do tipo de investimento levado a efeito”.

O juiz federal detalhou ainda que o caso analisado não pode ser comparado, como pretendeu a autora da ação, a um negócio feito com bens materiais, por exemplo, carros ou imóveis, onde há a possibilidade de a transação ter ocorrido “com consentimento viciado por erro ou dolo da contraparte.”

“A tentativa de aplicar a lógica jurídica própria do mercado tradicional é equivocada quando se tem em vista uma compra especulativa onde a dimensão aleatória é simplesmente imensa e onde o que existe de concreto é que se comprou, uma participação empresarial minúscula, fora disso, o resto é incerteza”, disse Tiago Bitencourt.

A perda suportada pela empresa de investimentos, continuou o juiz, foi resultado da compra e venda em curtíssimo prazo, pois a autora, disse, comportou-se “como uma voraz perseguidora de lucro advindo da especulação” para minimizar o prejuízo.

“A suposta perda de uma chance é um dano imaginário, pois aventa possibilidade de investimento lucrativa, descurando que o perfil da própria autora é definido pelo investimento de risco, ou seja, a autora poderia ter perdido ainda mais do que perdeu e, de certa forma, seguindo-se a lógica defendida pela própria autora, pode ser que o investimento nas ações do Banco PanAmericano a tenha protegido de perda ainda maior”, concluiu.

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2017

http://www.conjur.com.br/2017-fev-23/perda-venda-acao-suspeita-fraude-nao-gera-dano-moral

Tese do adimplemento substancial não se aplica em alienação fiduciária, diz STJ

A tese do adimplemento substancial não pode ser aplicada nos casos de alienação fiduciária, segundo decisão desta quarta-feira (22/02) do Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, mesmo que o comprador de um bem tenha pago a maior parte das parcelas previstas em contrato, ele tem de honrar o compromisso até o final, com sua total quitação. Sem isso, o credor pode ajuizar ação de busca e apreensão do bem alienado para satisfazer seu crédito.

Por seis votos a dois, os ministros da 2ª Seção decidiram que o pagamento da maior parte das parcelas não é capaz de afastar o que prevê o Decreto-Lei 911/1969, que permite o uso da ação de busca e apreensão em casos de inadimplência. Ficaram vencidos o relator do recurso, ministro Marco Buzzi, e o ministro Luis Felipe Salomão.

O ministro Marco Aurélio Bellizze abriu a divergência no julgamento ao acolher a tese recursal do banco Volkswagen, de que a teoria do adimplemento substancial não é prevista expressamente em lei e decorre de interpretação extensiva de dispositivos do Código Civil. Por isso, a tese não pode se sobrepor à lei especial que rege a alienação fiduciária, por violação à regra de que lei especial prevalece sobre lei geral.

O recurso foi ajuizado pela instituição financeira contra decisão que impediu busca e apreensão de um veículo com o argumento de que 92% do contrato havia sido quitado — o que demonstraria boa-fé do devedor. No caso, não houve o pagamento de 4 das 48 prestações previstas no contrato de compra e venda do veículo em questão.

Representado pelos advogados Konstantinos Andreopoulos e Rafael Barroso Fontelles, do escritório Barroso Fontelles, Barcellos e Mendonça Advogados, o banco argumentou que a inadimplência, no caso, não é insignificante e que a aplicação da tese tolhe direito de ação do credor previsto em lei e viola os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

“A aplicação dessa tese com intuito de impedir o exercício do direito de se ingressar com a ação de busca e apreensão terá como efeito imediato o surgimento de um risco até então inexistente: a perda da eficácia conferida ao instrumento da alienação fiduciária. Esse risco afetará as taxas de juros e atingirá toda a coletividade. Em outras palavras, privilegiam-se os devedores que não honram suas obrigações e prejudica-se o restante da coletividade”, dizem os advogados.

A tese recursal destacou, também, a existência de precedentes do STJ que confirmam a inaplicabilidade da tese do adimplemento substancial nas hipóteses em que o devedor fiduciário deixa de cumprir com o pagamento integral da dívida.

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2017

http://www.conjur.com.br/2017-fev-22/tese-adimplemento-substancial-nao-aplica-alienacao-fiduciaria

Juízes não precisam mais de senha para enviar ordem judicial ao Bacenjud

Juízes, desembargadores e servidores que usam certificado digital já podem acessar o sistema Bacenjud sem a necessidade de utilizar a senha e a identificação de usuário para mandar ordem judiciais ao sistema financeiro. A medida passou a valer nesta quarta-feira (15/2), após reunião do Comitê Gestor do Bacenjud na sede do Conselho Nacional de Justiça.

Segundo o Banco Central, 98,5% das determinações judiciais para bloqueios de valores ou informações passam pelo Bacenjud. Desde maio do ano passado, o sistema passou a incluir não apenas os 170 bancos conveniados ao Sistema Financeiro Nacional, mas também 1.200 cooperativas de crédito brasileiras.

Criado em 2001, a ferramenta interliga o Judiciário ao Banco Central e às instituições bancárias. O pedido chega eletronicamente aos bancos e o bloqueio é feito rapidamente. Antes do sistema, o pedido era encaminhado por ofício, atrasando a efetivação do bloqueio.

Segundo o conselheiro Carlos Eduardo Dias, representante do CNJ no comitê, o uso da certificação digital já vinha sendo testada em alguns tribunais. “Como os testes foram aprovados, já é possível estender essa possibilidade para todos os usuários. Com isso, qualquer juiz ou servidor poderá ter acesso ao sistema pelo certificado digital, o que dispensa o uso de login e senha”, diz o conselheiro. O uso de login e senha, no entanto, não será eliminado. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de fevereiro de 2017, 20h50

http://www.conjur.com.br/2017-fev-15/juizes-nao-senha-enviar-ordem-bacenjud

Cabe ao juízo da recuperação julgar execução de consumidor contra empresa

O juiz responsável por recuperações judiciais, por estar mais próximo da realidade das empresas em dificuldades, é quem tem mais condições de definir se as medidas contra seus acervos patrimoniais podem ou não comprometer o sucesso do plano de reerguimento. Assim entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao definir competência de ação movida por um consumidor do Rio de Janeiro.

O caso começou a tramitar no Juizado Cível de Cabo Frio (RJ), mas a ré alegou que deveria ser distribuído à 7ª Vara Empresarial da capital, que analisa pedido de recuperação. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não viu impedimento para que a execução de créditos oriundos de relações de consumo prosseguisse na comarca de Cabo Frio, desde que não houvesse ato de penhora dos bens arrolados na ação de recuperação.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, disse que o artigo 6º da Lei 11.101/05 estabelece que o deferimento da recuperação judicial suspende o curso de todas as ações e execuções movidas contra o devedor, com exceção daquelas que demandarem quantia ilíquida e as execuções fiscais. A mesma lei, em seu artigo 49, prevê que estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

A ministra também afirmou que, conforme jurisprudência pacífica da 2ª Seção do STJ, a competência para a adoção de medidas de constrição e venda dos bens integrantes do patrimônio da sociedade recuperanda é do juízo no qual tramita o processo de recuperação.

“Uma vez deferido o pedido de recuperação judicial, fica obstada a prática de atos expropriatórios por juízo distinto daquele onde tem curso o processo recuperacional, independentemente da natureza da relação jurídica havida entre as partes”, escreveu a ministra, em voto seguido por unanimidade.

O colegiado também determinou a suspensão da execução enquanto estiver em tramitação o pedido de recuperação judicial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2017, 15h55

http://www.conjur.com.br/2017-fev-16/juizo-recuperacao-julgar-execucao-cliente-empresa

REsp não serve para analisar conflitos entre leis federal e municipal, diz STJ

Possíveis conflitos entre leis municipais e federais não podem ser analisados em recurso especial, pois a competência para julgar essas matérias é do Supremo Tribunal Federal. Assim entendeu, por unanimidade, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar o questionamento de um grupo de mineradoras contra a criação do Santuário Ecológico de Pedra Branca, em Caldas (MG).

Para as mineradoras, o município de Caldas, ao promulgar a Lei 1.973/2006, que criou a área de proteção ambiental, limitou o aproveitamento de recursos minerais na região, condicionando sua exploração a diferentes autorizações administrativas. Afirmam ainda que a norma municipal violou o Código de Processo Civil e a Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente.

Segundo as mineradoras, o poder municipal não promoveu consulta pública ou fez os estudos técnicos necessários para a criação da unidade de conservação. Também afirmaram que a regra impediria a mineração na área de proteção ambiental, o que seria uma invasão à competência da União para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos minerais e metalurgia.

De acordo com a Justiça mineira, foram feitas duas audiências públicas para tratar da criação da área de proteção ambiental. Além disso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que não houve proibição sumária da mineração nesse caso, pois os trabalhos já iniciados podem continuar em execução, desde que não tenham potencialidade poluidora.

Os fundamentos do acórdão mineiro foram mantidos pelo relator do recurso no STJ, ministro Herman Benjamin. Ele explicou que o suposto conflito entre a Lei municipal 1.973/06 e a Lei federal 9.985/00 não pode ser analisado em recurso especial, pois a matéria é competência do STF.

No voto, Herman Benjamin também considerou inviável a análise de eventual inexistência das audiências públicas e dos estudos técnicos. “O acolhimento da pretensão recursal relativa à inexistência de audiências, consultas públicas e estudos técnicos demanda o reexame do contexto fático probatório, o que não se admite, ante o óbice da Súmula 7 do STJ.” Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2017, 18h00

http://www.conjur.com.br/2017-fev-16/resp-nao-serve-analisar-conflitos-entre-leis-federal-municipal