O Direito do Consumidor é excessivamente protetivo no Brasil. Embora isso se justifique pelo fato de ainda haver muitas pessoas vulneráveis econômica e intelectualmente no país, acaba por gerar distorções nos mercados e um aumento geral nos preços de produtos e serviços. Essa é a opinião do jurista alemão Stefan Grundmann, professor catedrático de Direito Privado da Universidade Humboldt de Berlim e do European University Institute (Florença).
Na visão dele, é preciso diferenciar os consumidores atentos dos vulneráveis. Estes receberiam cobertura legal similar à do Código de Defesa do Consumidor, enquanto aqueles seriam amparados principalmente por regras de informação, que obrigam os fornecedores a disponibilizar ao público dados detalhados sobre seus produtos.
Em visita ao Brasil, Grundmann deu palestra na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em evento organizado pelo Departamento de Direito Civil, quando concedeu entrevista à ConJur.
Na conversa, analisou importantes questões sobre o Direito do Consumidor e compartilha com os eleitores interessantes detalhes de sua incomum formação acadêmica, que combina Direito, Filosofia e História da Arte. E explica como tudo começou em uma viagem de trem a Veneza para ver três quadros de Ticiano.
Outro ponto do sistema brasileiro que desagrada ao professor é a autonomia do Direito do Consumidor em relação ao Direito Civil. A seu ver, isso isola a matéria, e não permite que ela dialogue com outros campos do Direito Privado, como o Direito Civil, o Direito Empresarial e o Direito do Mercado de Capitais. Isso resulta em um foco excessivo nas necessidades dos consumidores em detrimento de um balanceamento delas com os impactos das regras nas empresas.
Grundmann defende a criação de leis específicas para proteger usuários de serviços públicos e refuta a tese liberal de que um sistema pleno de livre mercado dispensaria a existência de normas sobre o assunto.
Leia os principais trechos da entrevista (a versão integral será publicada na Revista de Direito Civil Contemporâneo):
ConJur — Sua formação é muito eclética, pois envolveu Direito e História da Arte. Como se deu essa escolha e qual o papel da Arte em sua visão de mundo, como jurista?
Stefan Grundmann — Minha primeira grande decisão foi entre Direito e Filosofia. Desde os tempos de colégio, eu sempre quis estudar Filosofia. Então decidi estudar ambas as matérias. Depois de um ano de faculdade, tive um professor muito simpático e carismático, que é Erik Jayme, bastante conhecido no Brasil, por sinal. Ele foi meu docente de Direito Privado e, para além disso, de uma certa visão de mundo. Eu não queria abandonar completamente a Filosofia, mas naquele momento eu me apaixonei tanto pelo Direito, pelos efeitos que ele produz na sociedade, que isso acabou prevalecendo sobre a Filosofia. Um dia, Erik Jayme disse-me que, naquela noite, havia um trem para Veneza e que eu deveria ir até lá e ver três quadros de Ticiano: a Assunta, a Madona de Pesaro e a Pietà. E isso foi surpreendente para mim! Ali nasceu o amor também pelas imagens, pela Arquitetura, pela escultura e outras manifestações da Arte.
ConJur — Como se deu sua trajetória e sua formação acadêmica?
Stefan Grundmann — Eu estudei em Munique três graduações: Direito, Filosofia e História da Arte. Fui várias vezes ao exterior, mas não fiz a coisa mais tradicional na Alemanha, naquele tempo, que era mudar de universidade no próprio país. E a razão é que fui a Aix-en-Provence, na França, e a Lausanne, na Suíça, durante a graduação. Posteriormente, escrevi uma tese de Direito Internacional Privado em Portugal, onde havia um código muito interessante sobre Direito Internacional Privado. Fui ainda muito à Itália e à Grécia. Depois de minhas teses, inclusive sobre História da Arte e Ticiano, resolvi ir a Tübingen. Em outro momento, até por compartilhar a visão de Max Weber, de que a matéria que mais transforma a sociedade é a Economia, resolvi combinar o Direito Internacional com o Direito Econômico. Seguindo os passos naturais de um acadêmico na Alemanha, escrevi minha habilitação sobre relações fiduciárias, combinando o Direito Societário e o Direito Contratual. Nesse período, fui à Universidade de Berkeley, na Califórnia, porque não se pode estudar relação fiduciária sem ir aos Estados Unidos. Por fim, após lecionar nas Universidades de Ratisbona, Francoforte-sobre-o-Oder, Halle e Erlangen-Nurembergue, sou hoje professor catedrático na Universidade Humboldt de Berlim, onde dirijo um Instituto de Direito Privado Comparado, que acaba de se vincular à Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo, em uma solenidade que ocorreu após minha conferência na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
ConJur — Seus estudos mais recentes dedicam-se ao problema das relações de consumo e uma visão comportamental dos consumidores, com a perspectiva de níveis de proteção diferenciados. Atualmente, há uma discussão muito intensa no Brasil sobre o papel do Direito do Consumidor no sistema do Direito Privado. Em sua visão, como as normas do Direito do Consumidor deveriam se relacionar com as do Direito Civil?
Stefan Grundmann — As visões do Brasil e da Europa, sobretudo da Alemanha, são diversas em relação ao Direito do Consumidor. No Brasil, a ideia de que o Direito do Consumidor tem autonomia é muito forte, enquanto na Alemanha integramos o Direito do Consumidor no Direito Civil em 2002, na grande reforma do Direito Privado alemão. Isso foi importante sobretudo porque se o Direito do Consumidor ficar dentro do Direito Civil, toda a comunidade dos civilistas e comercialistas discutirá essa relação e seus efeitos. No fundo, diria que há diferenças de regras, mas elas são mais diferenças na formação do contrato do que nos deveres do contrato. O Direito do Consumidor é diferente do Direito Comercial, mas mesmo o Direito do Consumidor é também um Direito da Empresa, porque almeja sempre equilibrar a informação entre um profissional e um consumidor, não entre dois consumidores. Desse modo, o Direito do Consumidor tem muito a ver com outras matérias civilistas, comercialistas e até de regulamentação de mercados. Um Direito do Consumidor autônomo e isolado corre o risco de não levar em consideração outros interesses. Isso não significa a utilização ou a combinação de regras de Direito do Consumidor, do Direito Civil e do Direito Comercial por meio de critérios discricionários pelo juiz, que escolheria e mesclaria essas normas, sem observar as diferenças principiológicas entre elas.
ConJur — Em linhas gerais, como funciona o Direito do Consumidor na Europa? Quais seus mais importantes princípios?
Stefan Grundmann — Há dois princípios fundamentais. O primeiro é o equilíbrio da situação de informação, por isso a maioria das normas versa sobre a transferência de informação, importante para a formação do contrato. O segundo princípio importante é o de proteção processual dos consumidores que, muitas vezes têm estímulos/motivos , mas não os meios para verdadeiramente impor seus direitos. 80% do Direito do Consumidor vêm das normas produzidas pela União Europeia. Nas matérias que estudo, diria que hoje, em quase todos os campos, o Direito Europeu é mais importante para as grandes linhas do que o direito nacional.
ConJur — Como o senhor falou, o Direito do Consumidor Europeu protege as pessoas principalmente com regras de informação. Esse sistema não supervaloriza a atenção dos consumidores e pode prejudicar os menos atentos?
Stefan Grundmann — Isso é apenas parcialmente verdadeiro. Em minha palestra na Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo, a convite da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo, expliquei que há essa tendência de se distinguir entre vários consumidores diferentes. E essa tendência de dizer que os mais vulneráveis têm de ser muito mais protegidos, que temos de ter sempre mais proteção do consumidor, gera, a meu ver, problemas de distribuição e, também, efeitos sobre as estruturas dos mercados, e isso tem de ser levado em consideração. Uma proteção muito intensa pode restringir a liberdade de escolha dos outros consumidores. Consumidores não são um grupo homogêneo. Existem consumidores fortes, existem aqueles menos fortes e há um paradoxo: muita proteção do consumidor custa caro e, em uma economia de mercado, os preços são pagos por todos, pelos ricos e pelos menos ricos. Mas as vantagens, muitas vezes, chegam mais aos consumidores mais ricos, mais fortes. Tal se deve porque eles têm mais dados, mais experiência para pesquisar e também uma assessoria jurídica mais eficiente. Por exemplo, em caso de dano por tempo perdido, normalmente, um empregado que ganha um salário baixo quase não tem dano, enquanto que para um empresário o dano seria muito alto. Por isso, se a regra é, por exemplo, que a cada atraso de voo tem de ser paga uma indenização, poderia ser que os bilhetes ficassem mais caros, mas só aqueles mais ricos teriam vantagens. E, por isso, minha proposta seria que o nível de proteção do consumidor teria de ser tal que ajudaria o funcionamento do mercado e possibilitar-lhe-ia escolher bons serviços e bens. Isso, normalmente, é a função da informação. Evidentemente, ela não precisa ser abundante, mas a regra de informação, como tal, ajuda o funcionamento do mercado. Assim, uma proteção muito forte ficaria restrita aos casos especiais de vulnerabilidade, nos quais a vida, saúde e a existência econômica dos consumidores estariam em risco.
ConJur — Essa diferenciação entre os consumidores deveria ser feita pelo legislador ou pelo juiz, no caso concreto, enquanto não há uma lei disciplinando o assunto?
Stefan Grundmann — A diferenciação que propus é não só entre diferentes tipos de consumidor — razoáveis, vulneráveis, hipervulneráveis, como também entre outros —, que seria uma proteção subjetiva, uma diferenciação subjetiva, mas também uma diferenciação objetiva, quer dizer, nas matérias de simples danos econômicos. Normalmente, a proteção através de regras de informação que os razoáveis podem perceber teria de ser suficiente, porque elas também ajudam o mercado. Mas, nos casos de danos à liberdade, à saúde, vida, esses direitos fundamentais da pessoa teriam de ser protegidos de modo mais intenso, de modo a que também o mais vulnerável tenha essa proteção. Dito de outro modo, ele não seria protegido apenas por intermédio de regras informativas, mas também por meio de regras muito mais intervencionistas. Essa é a ideia daquela que talvez seja a mais importante teoria da Filosofia moral e política do século XX, de John Rawls, que faz exatamente esta distinção e explica como um grupo razoável, via discussão, chegaria a esta distinção. E eu digo que isso é, mais ou menos, o que a Corte Europeia faz com as liberdades fundamentais, que se contenta com regras de informação e com o standard de um consumidor razoável em casos de riscos normais muito mais do que em casos de riscos fundamentais à saúde. O “Caso Clinique” diz que, se um cosmético tem de ser importado, não é um bem normal, porque entra em contato com a pessoa e pode causar riscos à saúde e, neste caso, também, os menores e os idosos precisam de proteção completa. E descrever e informar talvez não seja suficiente nesses casos. Uma tal diferenciação, sobretudo se tem fundamento também na teoria filosófica, é claramente, uma linha de princípio para o legislador, mas, como se mostra naqueles casos, também pode ser integrada no sistema jurídico através da interpretação, por exemplo, das cláusulas gerais com as liberdades fundamentais.
ConJur — Há quem diga que a melhor proteção ao consumidor seria a existência de um livre mercado, no qual a competição garantiria a qualidade dos produtos e serviços e manteria os preços em patamares baixos. O senhor concorda com essa visão?
Stefan Grundmann —Evidentemente, não dá para deixar o mercado regular tudo. Primeiro, temos de ter regulamentação na forma das regras de informação. Ao mesmo tempo, diria também que há situações nas quais a informação não ajuda, como quanto às cláusulas gerais, estandardizadas. Além disso, estudos empíricos demonstram que o mercado com grande concorrência não tem como efeito o desaparecimento das cláusulas abusivas. Tal se funda na circunstância de que não são as grandes empresas que têm as fórmulas mais abusivas, mas aquelas empresas não tão conhecidas, que podem esconder melhor suas práticas. As grandes empresas perdem sua reputação se abusarem dos consumidores, então têm mais receio de fazer uso de cláusulas abusivas do que as empresas médias ou mesmo as pequenas. E isso não tem nada a ver com a estrutura competitiva do mercado, é um outro mecanismo.
ConJur — Como o senhor avalia o Direito do Consumidor brasileiro?
Stefan Grundmann — Como já disse, gosto mais da integração do Direito do Consumidor dentro do Direito Civil, tal como se deu na Alemanha pós-2002. Uma integração dentro do Direito Civil e do Código Civil. Uma integração coloca o problema muito claramente. Quando o Direito do Consumidor é integrado no Direito Civil, a comparação entre as várias situações traz um desafio permanente. Neste sentido, preferiria a solução alemã. No conteúdo, penso que, em situações normais, não as que envolvam danos existenciais, eu optaria por só haver regras de informação. O Direito do Consumidor brasileiro vai mais longe várias vezes: há muitas regras imprevisíveis, o Direito Constitucional traz regras sobre a matéria, há cláusulas muito gerais, que permitem a solução de um caso específico com regras menos previsíveis. Apenas com normas de informação, menos invasivas, haveria maior previsibilidade e consumidores e mercado sairiam ganhando. Isso não quer dizer que as regras informativas, como as que temos agora, sejam as ideais. Às vezes, tem informação demais, information overkill e isso é um sério problema que merece reforma.
ConJur — Como o senhor avaliaria o grau de proteção ao consumidor no Direito brasileiro atual?
Stefan Grundmann — Eu diria que o Direito brasileiro é muito protetivo e vejo algumas razões para isso. O Brasil teve um desenvolvimento formidável nas últimas duas, três décadas, mas tem, sem dúvida, ainda muitas pessoas que são os típicos consumidores muito vulneráveis. Por isso, pode ser que em um período de transição talvez uma proteção mais intensa traga mais vantagens. Para mim, é um pouco difícil, como não conheço bastante a sociedade brasileira, dizer se as regras são sempre adequadas, mas, em princípio, diria que há muitas regras paternalistas que, pelo menos para a realidade europeia, não gostaria que existissem.
ConJur — No Brasil, muitos consumidores reclamam que as indenizações impostas aos fornecedores de bens e serviços em sentenças judiciais são muito leves e que isso incentiva essas empresas a não resolverem seus problemas e a continuarem a violar direitos do consumidor. O senhor concorda com essa crítica? Indenizações mais severas poderiam incentivar as empresas a respeitar mais o Direito do Consumidor?
Stefan Grundmann — Como já disse, um dos pilares do Direito do Consumidor é a imposição de regras. De um modo geral, é normal a parte perdedora considerar que ou o Direito do Consumidor é fraco ou, ao contrário, é muito paternalista. Nos litígios entre bancos e clientes é sempre assim: às vezes quem lamenta são os bancos, às vezes quem se lastima são os clientes. É um bom sinal para a jurisprudência que seja assim, que ambas as partes lamentem — uma vez o consumidor, uma vez o fornecedor. Mas sim, há certos segmentos da indústria ou dos serviços nos quais os direitos dos consumidores vêm sendo desrespeitados sistematicamente. No cancelamento de contratos, telefotos serviços de telecomunicações, em sentido amplo, neles compreendidos também o acesso à internet, têm muitos problemas. Há algumas estratégias [prejudiciais] também no setor financeiro e no âmbito das companhias de aviação, quase todas que conheço, não respeitam as indenizações que teriam de pagar. Por que fazem isso? Porque elas sabem que se um em três consumidores não entra com processo, elas já saem lucrando e economizam os trezentos ou seiscentos euros que teriam de pagar, talvez um pouco mais em razão de custas e honorários advocatícios. Nesses casos, em segmentos nos quais há uma estratégia sistemática de lesar o consumidor, eu diria que teria de existir uma possibilidade, uma opção para o juiz deferir uma indenização por danos triplos, por exemplo. Mas isso dependeria ainda da existência de má-fé e de uma estratégia visível de causar dano em massa.
ConJur — O Judiciário brasileiro está sobrecarregado e as ações consumeristas são apontadas como uma das principais causas desse problema. O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, chegou a proferir uma frase que já se tornou célere: “As empresas transferiram seu call center para o Poder Judiciário”. Nesse sentido, meios alternativos de resolução de conflitos, como conciliação, mediação e arbitragem, podem ajudar a melhorar esta situação?
Stefan Grundmann — Eles são realmente importantes, mas tem-se de reconhecer o problema de que, com esses meios alternativos, não se consegue formar uma jurisprudência. Então, quanto à previsibilidade das manifestações judiciais e a tutela de situações futuras, esses meios não são a melhor alternativa. Isso vemos, por exemplo, em alguns Estados membros da União Europeia. Agora, por exemplo, a Itália tem uma instituição de mediação para todos os contratos bancários e o desenvolvimento dessa matéria jurídica já não é a mesma do que foi antes. O litígio também cria uma certa clareza do Direito, mas, ao mesmo tempo, sobretudo para casos não tão grandes, uma forma de conciliação poderia ser uma boa alternativa, porque temos ainda aqueles casos mais importantes, que criam o Direito.
ConJur — O que o senhor pensa do modelo das class actions, dos Estados Unidos?
Stefan Grundmann — Não saberia dizer se esse modelo funcionaria no Brasil. Na União Europeia, temos duas matérias em relação às quais criamos um mecanismo um pouco semelhante, com diferenças nos detalhes, também importante. Essas duas matérias são o Direito do Mercado Financeiro e as das regras do Direito da Concorrência. Ambas são matérias nas quais os casos são verdadeiramente paralelos, quer dizer, tem mais ou menos a mesma forma do litígio e, ao mesmo tempo, os danos não são tão altos. E, naqueles casos, a economia de escala, de fazer tudo isso em um único processo, altos é muito alta. Ao mesmo tempo, intentar um processo sem essa possibilidade é muito raro, porque o dano não é tão grande. Então, para impor verdadeiramente as regras nestas matérias, acho que seja uma boa solução, em linha de princípio.
ConJur — No Brasil, discute-se a criação de um código de proteção para usuários de serviços públicos. Tal medida é conveniente? A proteção a consumidores de serviços públicos deve ser diferente da de consumidores de serviços privados?
Stefan Grundmann — Normalmente, chamamos os serviços públicos de segmentos regulamentados. De modo geral, esses segmentos têm uma estrutura de mercados diferente da dos mercados normais, quer dizer, foram mercados monopolistas primeiro, porque foram públicos e agora são tipicamente oligopolistas. Por isso, diria que a ideia de uma fiscalização permanente da administração pública ou de seus concessionários é algo geralmente razoável e que a fiscalização dos contratos em mercados oligopolistas se justifica mais do que em um mercado de concorrência. Por isso, a proteção nos setores de energia, telecomunicações, transportes, sobretudo ferroviários, pode ser uma boa ideia.
ConJur — Um dos grandes problemas atuais no campo do consumidor é a questão da obsolescência programada. Como combater isso?
Stefan Grundmann — Isso é um problema para todos. Os produtos tinham uma vida mais longa antigamente. Isso, sem dúvida, é verdade. Mas tenho de dizer que é difícil conceber regras que vão mais longe do que um controle sobre o regime, contra as práticas comerciais abusivas. As práticas abusivas têm essa possibilidade: se um produto tem elementos ocultos que reduzem a vida abaixo do normal, do prazo esperado, neste caso a doutrina vem considerando tal conduta como prática abusiva. A alternativa seria a Administração Pública dizer “nós controlamos todos os componentes ou ingredientes dos produtos para checar se tecnicamente não seria possível fazer um produto mais durável”. As vantagens de um mercado livre seriam muito reduzidas. Mas não sei se, verdadeiramente, eu seria a favor disso.
ConJur — O que o senhor pensa sobre a publicidade e suas formas de controle heterônomo, por meio do Estado, e autônomo, por meio da autorregulação?
Stefan Grundmann — Hoje, a publicidade é a fonte de informação mais importante em todo o mundo. Aliás, isso é assim há vinte, trinta anos e não só na televisão, mas também, hoje em dia, na internet. Por isso, acho que como a publicidade tem essa relevância, porque forma a base das decisões de consumidores em muitos casos, é necessário aplicar também a ela as regras de informação. Quer dizer, se a informação é incorreta, tem de se ter uma solução tipicamente contratual, pois a publicidade é também conteúdo do contrato. Isso é sempre um pouco difícil de dizer. Muitas vezes, depende da atmosfera, do conteúdo da publicidade. Ou seja, se estamos diante de um cliente razoável, enfim , teríamos de avaliar caso a caso. Mas vejo, também, que essa linha entre fatos e seu contexto, às vezes, é um pouco difícil de se definir. Mas, a publicidade precisa ter força vinculante, porque é fonte de informação muito importante para decisões dos consumidores.