A inteligência artificial na advocacia: Transformações, desafios e o futuro do Direito

1. Introdução

A inteligência artificial tem revolucionado diversos setores, e o Direito não é uma exceção a essa regra. De fato, a advocacia e o Poder Judiciário têm experimentado, nos últimos anos, transformações significativas, impulsionadas pela adoção de tecnologias inteligentes, que não apenas otimizam processos, mas também redefinem a forma de atuação dos advogados, como os casos são analisados e como a justiça é administrada. Nos Estados Unidos da América e em países europeus, por exemplo, a aplicação de ferramentas baseadas em IA é uma realidade consolidada, com resultados que se desdobram desde a redução de custos até a democratização do acesso à justiça. No entanto, no Brasil, embora haja avanços, ainda persistem desafios relacionados à regulamentação, à aceitação cultural e à infraestrutura tecnológica.

Mas persiste, em solo nacional, como um dos principais equívocos no debate sobre IA na advocacia, algo que já tratei em uma entrevista concedida para a revista portuguesa Pontos de Vista (https://pontosdevista.pt/2024/06/24/o-advogado-e-a-inteligencia-artificial/), o seu tratamento como um mecanismo de automação de atividades. Enquanto a automação se refere à execução de tarefas repetitivas por meio de sistemas programados, como softwares de gestão de processos, a IA envolve a capacidade de aprendizado, análise e tomada de decisões com base em dados e padrões complexos. Para ilustrar: um sistema automatizado pode preencher formulários jurídicos, mas uma ferramenta de IA pode prever o resultado de casos judiciais com base em jurisprudência e dados históricos. Essa distinção é fundamental para compreender o potencial transformador da IA no Direito. Este, certamente, é o ponto de inflexão que ordena as ideias e os respectivos conceitos de cada ação dentro do espectro da advocacia. Sem essa diferenciação nós continuaremos andando em círculos.

Para contribuir, modestamente, com os debates sobre a aplicação da IA na advocacia, destacamos suas implicações práticas, benefícios e desafios. Para isso, serão analisados casos de sucesso nos países desenvolvidos do Ocidente, onde a IA já é amplamente utilizada em escritórios de advocacia e Judiciário. Além disso, faz-se mister desmistificar conceitos, apresentar tecnologias emergentes e discutir questões éticas e regulatórias. Pretende-se, ainda, oferecer uma visão prospectiva sobre o futuro da advocacia em um mundo cada vez mais influenciado pela IA.

2.Fundamentos da inteligência artificial na advocacia (visão primária)

A IA pode ser definida como um conjunto de tecnologias que permitem às máquinas realizar tarefas que, tradicionalmente, exigiriam inteligência humana, como aprendizado, raciocínio e tomada de decisões. No contexto jurídico, a IA é aplicada para analisar grandes volumes de dados, identificar padrões e fornecer insights que auxiliam advogados e juízes em suas atividades. Diferentemente de sistemas tradicionais, que dependem de regras pré-programadas, a IA utiliza técnicas como ML – Machine Learning e NLP – Processamento de Linguagem Natural para “aprender” com os dados e melhorar seu desempenho ao longo do tempo. Um exemplo prático dessa eficiência é a redução em até 30% do tempo exigido para a revisão de contratos, graças à capacidade de identificar cláusulas críticas e sugerir alterações com base em práticas jurídicas validadas (MCKINSEY & COMPANY, 2023). Essa eficiência decorre da capacidade de a IA processar milhares de documentos em minutos, o que se mostra impraticável para um ser humano.

No cerne da aplicação da IA na advocacia, estão três pilares tecnológicos principais: ML, NLP e Big Data. O ML envolve algoritmos que aprendem com dados históricos para prever resultados ou classificar informações. No Direito, o ML é usado para prever decisões judiciais com base em jurisprudência. Um breve parênteses para lembramos da expressão jurimetria, tão utilizada no campo da advocacia, em escritórios e departamentos jurídicos há, pelo menos, duas décadas. O termo foi criado em 1948 por Lee Loevinger, um jurista americano (Loevinger 1948).

Um caso emblemático, retomando o tema, é o sistema CaseCrunch, desenvolvido no Reino Unido, que em 2018 foi responsável por prever corretamente 86,6% dos resultados de casos de proteção ao consumidor, contra 66,3% dos advogados (CASELLATI, 2018).

Já o NLP permite aos computadores entender e gerar linguagem humana, sendo amplamente utilizado para analisar contratos, petições e decisões judiciais. A plataforma ROSS Intelligence, como exemplo, usa NLP para responder a perguntas complexas de advogados com base em milhões de documentos jurídicos.

Por fim, o Big Data é essencial para treinar algoritmos de IA, a partir da análise de grandes volumes de dados, como processos judiciais, legislações, doutrinas e jurisprudências. Foi constatado que escritórios que adotam soluções baseadas em Big Data conseguem reduzir em até 40% o tempo de pesquisa jurídica (THOMSON REUTERS, 2022).

Apesar dos benefícios significativos, a IA também apresenta limitações dignas de nota. Certamente, entre os principais benefícios estão a eficiência, com a redução do tempo gasto em tarefas repetitivas, como revisão de documentos e pesquisa jurídica; a precisão, que minimiza erros humanos em análises complexas; e o acesso à justiça, com ferramentas como chatbots jurídicos que permitem que cidadãos comuns obtenham orientação jurídica básica, de forma rápida e confiável.

No entanto, a IA não está isenta a enfrentamento de grandes desafios: um dos mais críticos é o viés algorítmico, onde sistemas de IA podem perpetuar preconceitos presentes nos dados usados para treiná-los. Algoritmos de predição judicial, por exemplo, tendem a refletir vieses raciais e socioeconômicos presentes em decisões históricas (STANFORD LAW SCHOOL, 2021). Ademais, a dependência de dados é uma limitação significativa, já que a eficácia da IA depende da qualidade e quantidade dos dados disponíveis. Em países com sistemas judiciários menos digitalizados, ergue-se, então, um obstáculo considerável. Também não se deve desprezar a falta de transparência em muitos algoritmos de IA, que operam como “caixas pretas” e dificultam a compreensão de como certas decisões foram tomadas, levantando questões éticas e de responsabilidade.

3. Aplicações práticas da IA na advocacia

É de amplo conhecimento que a IA já está transformando a prática jurídica em diversas frentes, desde a análise de documentos até a previsão de resultados judiciais. Uma das aplicações mais difundidas é a análise e revisão de documentos jurídicos. Ferramentas como Kira Systems e LawGeex utilizam NLP para identificar cláusulas críticas em contratos, comparar versões de documentos e sugerir alterações com base em melhores práticas. Em 2018, a plataforma LawGeex alcançou uma precisão de 94% na revisão de contratos (LAWGEEX, 2018). Essa eficiência não apenas reduz o tempo gasto em tarefas repetitivas, mas também minimiza erros humanos, que podem ser custosos em contextos jurídicos. Essa precisão, quase cirúrgica, também já foi alcançada pela inteligência humana, mas com um gasto de tempo infinitamente superior.

Outra aplicação impactante é a antecipação de resultados judiciais. Sistemas como Lex Machina e Premonition utilizam ML para analisar dados históricos de casos e prever decisões com base em padrões identificados. Nos Estados Unidos, o Lex Machina é amplamente utilizado por escritórios de advocacia para avaliar as chances de sucesso em litígios, com base em dados como o perfil do juiz, a jurisprudência local e o histórico das partes envolvidas. Advogados que utilizam essas ferramentas conseguem aumentar em até 20% a precisão de suas estratégias de litígio (HARVARD LAW SCHOOL, 2020).

A pesquisa jurisprudencial e a análise de casos também foram revolucionadas pela IA. Plataformas como ROSS Intelligence e Casetext permitem que advogados realizem pesquisas complexas em milhões de documentos jurídicos em questão de segundos. Essas ferramentas não apenas identificam casos relevantes, como também sugerem conexões entre decisões judiciais que podem não ser óbvias à primeira vista. Um exemplo emblemático é o CARA A.I., desenvolvido pela Casetext, que analisa petições iniciais e sugere jurisprudência relevante com base no conteúdo do documento. Essa funcionalidade reduz o tempo de pesquisa em até 30% (CASETEXT, 2021).

Além disso, a IA é intensamente utilizada para redação de contratos e petições. Ferramentas como LegalSifter e ClauseBase ajudam advogados a redigir documentos jurídicos de alta qualidade, sugerindo linguagem apropriada e identificando possíveis riscos. Essas soluções são particularmente úteis em transações comerciais complexas, onde a precisão e a clareza são essenciais. Escritórios que adotam ferramentas de redação assistida por IA conseguem reduzir em até 50% o tempo gasto na elaboração de contratos (DELOITTE, 2022).

Uma decorrência natural da IA aplicada aos escritórios da advocacia é a silenciosa e eficiente revolução da gestão de processos e fluxos de trabalho. Sistemas como Clio e MyCase utilizam algoritmos de IA para automatizar tarefas administrativas, como agendamento de reuniões, gestão de prazos e acompanhamento de casos, que aumentam a eficiência dos escritórios e melhoram a experiência do cliente, ao fornecer atualizações em tempo real sobre o status dos casos de seu interesse. Com efeito, cerca de 65% dos escritórios que adotaram soluções de gestão baseadas em IA relataram um aumento significativo na satisfação dos clientes (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2021).

4. Estudos de caso: Experiências internacionais

É fundamental recordar alguns exemplos icônicos da aplicação da IA ao ambiente da advocacia norte-americana, como dão notícia os resultados obtidos pela plataforma ROSS Intelligence, que utiliza NLP para auxiliar advogados na pesquisa jurídica. Desenvolvida a partir do sistema IBM Watson, a ROSS permite que os usuários façam perguntas complexas em linguagem natural e recebam respostas baseadas em análises de milhões de documentos jurídicos. Estudos revelaram que escritórios que adotaram a ROSS tiveram uma redução de 30% no tempo com pesquisas jurídicas, além do aumento na precisão das informações obtidas (STANFORD LAW SCHOOL, 2020).

Outro caso de sucesso é o Lex Machina, uma plataforma de análise preditiva que utiliza ML para prever os resultados de litígios com base em dados históricos. A ferramenta é amplamente utilizada por escritórios de advocacia e departamentos jurídicos corporativos norte-americanos para avaliar estratégias de litígio. O Lex Machina conseguiu prever corretamente o resultado de 85% dos casos analisados em 2020, superando as expectativas de muitos especialistas (HARVARD LAW REVIEW, 2021). Além disso, a plataforma tem sido fundamental para identificar padrões de comportamento de juízes e partes envolvidas em litígios, permitindo que os advogados ajustem suas estratégias de forma mais eficaz.

Na Europa, por sua vez, a aplicação da IA no Direito também tem avanços significativos. Um exemplo notável é o sistema LISA, desenvolvido na França, que utiliza IA para auxiliar na redação de contratos e na análise de cláusulas jurídicas. O LISA é capaz de identificar inconsistências e sugerir alterações com base em práticas jurídicas consolidadas. O uso do LISA resultou em uma redução de 40% no tempo com a elaboração de contratos, além da diminuição em 25% dos erros identificados em revisões manuais (UNIVERSIDADE DE PARIS, 2022).

Já na Alemanha, a plataforma BRYTER tem se destacado como uma solução inovadora para a automação de processos jurídicos. A ferramenta permite que advogados criem fluxos de trabalho automatizados para tarefas como a análise de contratos, a gestão de compliance e a elaboração de documentos jurídicos. Cerca de 70% dos escritórios de advocacia que adotaram a BRYTER relataram um aumento na produtividade e uma redução de custos operacionais de até 20% (GERMAN BAR ASSOCIATION, 2023). Demais, a plataforma é amplamente utilizada por empresas para garantir a conformidade com regulamentações complexas, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia.

Outro exemplo europeu: o CaseCrunch, uma startup britânica, desenvolveu um sistema de IA para prever resultados de casos jurídicos. Em 2018, o CaseCrunch realizou um desafio competindo com advogados na previsão de resultados de casos de proteção ao consumidor. O sistema de IA previu corretamente 86,6% dos casos, enquanto os advogados acertaram 66,3% (CASELLATI, 2018). Esse resultado demonstrou o potencial da IA para auxiliar na tomada de decisões jurídicas e provocou reflexões profundas sobre o papel dos advogados na operação da IA, em lugar da realização de atividades usuais.

5. Desafios e riscos da IA na advocacia

Ao lado dos importantes benefícios introduzidos pela IA na advocacia, a sua adoção apresenta desafios e riscos que precisam ser cuidadosamente considerados. Como sinalizado nas primeiras linhas deste trabalho, o viés algorítmico é identificado quando os sistemas de IA reproduzem ou amplificam preconceitos presentes nos dados usados para o seu treinamento. Algoritmos de predição judicial nos Estados Unidos, por exemplo, tendem a ser mais severos com réus de minorias étnicas, refletindo vieses históricos presentes nas decisões judiciais anteriores (MIT TECHNOLOGY REVIEW, 2021). Esse tipo de viés não apenas compromete a justiça do sistema, mas também pode perpetuar desigualdades sociais, levantando questões éticas e legais sobre o uso da IA no Direito.

Outro desafio significativo diz respeito à privacidade e proteção de dados pessoais. Sabe-se que a IA depende de grandes volumes de dados para funcionar eficazmente, o que inclui informações sensíveis de clientes, como registros financeiros, históricos médicos e detalhes de casos jurídicos. A exposição desses dados a sistemas de IA pode aumentar o risco de violações de privacidade, especialmente em países onde a regulamentação da proteção de dados ainda é incipiente.

Na União Europeia, o GDPR estabelece diretrizes rigorosas para o uso de IA, exigindo transparência e consentimento explícito dos usuários. No entanto, apenas 35% das sociedades empresárias na Europa mantêm total conformidade com essas normas, o que representa risco significativo para a privacidade dos clientes (EUROPEAN DATA PROTECTION BOARD, 2022).

Outra questão complexa no contexto da IA na advocacia tem relação com a caracterização da responsabilidade civil. Quando um sistema de IA comete um erro, como a interpretação incorreta de uma cláusula contratual ou a previsão equivocada de um resultado judicial, é difícil determinar quem deve ser responsabilizado: o desenvolvedor do algoritmo, o escritório de advocacia que o utilizou ou o detentor dos direitos de exploração econômica do sistema de IA. Vale rememorar, nesse sentido, o ocorrido nos Estados Unidos em 2021, quando um sistema de IA recomendou determinada estratégia de litígio que resultou em perdas financeiras significativas para o cliente. O caso foi objeto de julgamento pelos tribunais estadunidenses, mas a falta de regulamentação específica para IA dificultou a definição de responsabilidades (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2021).

Acrescente-se, ainda, que a resistência à adoção da IA por parte de profissionais do Direito é um obstáculo cultural que não pode ser ignorado. Muitos advogados veem a IA como uma ameaça ao seu trabalho, temendo que a execução de tarefas jurídicas com agilidade e precisão leve à redução de empregos e do seu protagonismo. Cerca de 60% dos advogados em escritórios de médio porte nos Estados Unidos e na Europa relataram preocupações sobre o impacto da IA em suas carreiras (DELOITTE, 2022). Essa resistência pode retardar a adoção de tecnologias que, em última análise, são capazes de melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos.

A falta de transparência em muitos sistemas de IA, conhecida como o problema da “caixa preta”, também representa um relevante desafio. Muitos algoritmos de IA operam de forma tão complexa que até mesmo seus desenvolvedores têm dificuldade para rastrear a formulação de certas decisões tomadas. Isso é particularmente problemático no Direito, onde a transparência e a prestação de contas – ou accountability – são fundamentais. Veja-se que em torno de 70% dos juízes entrevistados nos Estados Unidos pela Stanford Law School expressaram preocupação com a falta de transparência em sistemas de IA usados para auxiliar em decisões judiciais (STANFORD LAW SCHOOL, 2023).

6. Regulamentação e padrões éticos

À vista dessas ponderações e apreensões, conclui-se que a regulamentação e os padrões éticos são fundamentais para garantir que a IA seja utilizada de forma responsável e transparente no campo jurídico. Diversos países e organizações internacionais buscam estabelecer diretrizes que equilibrem a inovação tecnológica com a proteção dos direitos individuais e a integridade do sistema jurídico a nível mundial. Na União Europeia, o GDPR estabelece normas rigorosas para o uso de IA, ao determinar que as empresas garantam transparência, explicabilidade e consentimento explícito dos usuários. Não obstante, 40% das instituições ainda enfrentam desafios para se adequar plenamente aos preceitos definidos (EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Nos Estados Unidos, a regulamentação da IA no Direito ainda está em estágios iniciais, mas algumas iniciativas merecem destaque. A ABA – American Bar Association publicou, em 2022, um conjunto de diretrizes éticas para o uso de IA na advocacia, enfatizando a necessidade de supervisão humana, transparência e responsabilidade. Segundo a ABA, “os advogados devem garantir que o uso de IA em suas práticas não comprometa a confidencialidade, a competência ou a independência profissional” (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2022). Estados como a Califórnia também têm adotado leis específicas para regular o uso de algoritmos em decisões judiciais, exigindo que os sistemas de IA sejam auditáveis e livres de vieses discriminatórios.

No Brasil, o CNJ zela pela regulamentação da IA no Poder Judiciário, a se ver da publicação em 2023 da resolução 332, que estabelece diretrizes para o uso de IA em tribunais, incluindo a obrigatoriedade de transparência, auditoria e supervisão humana. A resolução também proíbe o uso de sistemas de IA para decisões judiciais autônomas, reforçando que a tecnologia deve servir como ferramenta de apoio, e não como substituto do julgamento humano. Com base em levantamento do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, aproximadamente 60% dos tribunais brasileiros já utilizam ferramentas de IA para tarefas como análise de processos e priorização de casos, mas apenas 25% estão plenamente aderentes às novas diretrizes do CNJ (IPEA, 2023).

Além das regulamentações nacionais, organizações internacionais se dedicam a estabelecer padrões éticos globais para o uso da IA no Direito. Nesse sentido, a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico publicou, em 2021, os Princípios de IA, que incluem recomendações como a promoção de sistemas de IA confiáveis, a proteção da privacidade e a garantia de transparência. Tais princípios são adotados por diversos países como base para suas políticas nacionais, mas apenas 30% dos países membros da ONU possuem regulamentações específicas para o uso de IA no Direito, o que representa um obstáculo a ser superado para a harmonização global de padrões éticos (UNCTAD, 2023).

Outrossim, é importante destacar que a regulamentação e os padrões éticos devem progredir continuamente para acompanhar os avanços tecnológicos. Com efeito, a Harvard Law Review ressaltou que “a IA no Direito exige um equilíbrio delicado entre inovação e proteção, garantindo que a tecnologia seja usada para promover a justiça, e não para miná-la” (HARVARD LAW REVIEW, 2023). Diante disso, a colaboração entre governos, organizações internacionais e comunidade jurídica será essencial para construir um framework regulatório que maximize os benefícios da IA, enquanto mitiga seus riscos.

7. Futuro da IA na advocacia

As reflexões sobre o futuro da IA na advocacia evoluem para tempos marcados por inovações que amplificam a eficiência e transformam a própria natureza do trabalho jurídico. Uma das tendências mais impactantes consiste no desenvolvimento de sistemas de IA generativa capazes de redigir documentos jurídicos complexos, como contratos e petições, com pouca ou nenhuma intervenção humana. Ferramentas como ChatGPT-4 e JurisGPT já estão sob testes em escritórios de advocacia, com resultados promissores, que apontam uma redução em até 50% do tempo gasto na redação de documentos, mantendo e aperfeiçoando a qualidade do trabalho (STANFORD LAW SCHOOL, 2023).

Outra tendência emergente é a personalização do atendimento jurídico por meio de IA. Plataformas como DoNotPay e LegalZoom utilizam algoritmos de ML para oferecer serviços jurídicos acessíveis e sob medida a clientes individuais. Essas ferramentas permitem que usuários comuns resolvam questões como contestação de multas e elaboração de atos extrajudiciais que dispensem a mediação de advogados. Estima-se que, até 2030, 30% dos serviços jurídicos de baixa complexidade serão realizados por sistemas de IA, democratizando o acesso à justiça e reduzindo custos para os jurisdicionados (MCKINSEY & COMPANY, 2023).

Por óbvio, a formação e capacitação dos advogados será atingida por esse processo de transformação, como já se observa em algumas instituições de ensino jurídico que estão incorporando disciplinas sobre IA e tecnologia em seus currículos, e preparando os futuros profissionais para atuar em um mercado cada vez mais digital. Como evidência dos progressos nesse campo, a Harvard Law School lançou em 2022 o programa de Pós-Graduação em Direito e Tecnologia, que inclui módulos sobre ética da IA, análise de dados e automação de processos jurídicos. A constatação de 70% dos estudantes de Direito nos Estados Unidos sugere que o conhecimento em IA é essencial para suas carreiras (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2023).

Não há dúvidas de que a integração entre humanos e máquinas está redefinindo o papel do advogado. Em vez de substituir profissionais, a IA é uma poderosa ferramenta de ampliação de capacidades, propiciando aos advogados a oportunidade de direcionar o seu intelecto para tarefas de maior valor agregado, como estratégias de litígio, negociação e aconselhamento jurídico. O uso de assistentes virtuais baseados em IA, como a ROSS Intelligence, que auxiliam advogados em pesquisas jurídicas complexas, liberam tempo para atividades mais estratégicas, por meio de abordagem híbrida que pode aumentar em até 40% a produtividade dos escritórios e promover altos índices de satisfação dos clientes (DELOITTE, 2023).

Nessa mesma linha de acontecimentos, o futuro da IA – que já se faz presente na advocacia -será moldado por avanços em tecnologias de blockchain e contratos inteligentes (smart contracts), que permitem a execução automática de cláusulas contratuais com base em condições pré-definidas, reduzindo a necessidade de intervenção humana e minimizando disputas jurídicas. Particularmente, o uso de smart contracts em transações comerciais pode reduzir em até 60% os custos associados à elaboração e execução de contratos tradicionais (EUROPEAN BLOCKCHAIN PARTNERSHIP, 2023).

8. Conclusão

Por todos esses argumentos e considerações, a IA está redefinindo o panorama da advocacia, oferecendo ferramentas prodigiosas para aumentar a eficiência, reduzir custos e democratizar o acesso à justiça. Exploramos, com base em estudos recentes que poderão ser consultados para maior aprofundamento no tema, desde os fundamentos tecnológicos da IA até suas aplicações práticas, desafios e tendências futuras. Nota-se, pois, que a IA não é uma mera ferramenta de automação, mas uma tecnologia transformadora do próprio sistema tradicional de trabalho dos advogados e magistrados. Nos Estados Unidos e na Europa, em especial, exemplos como ROSS Intelligence, Lex Machina e LISA demonstram o potencial da IA para revolucionar a prática jurídica, enquanto no Brasil, iniciativas como a resolução 332 do CNJ estão voltadas a formatar um padrão regulatório que equilibre inovação e proteção.

No entanto, a adoção da IA na advocacia não está isenta a embates e desafios. Questões como vieses algorítmicos, privacidade de dados e responsabilidade civil exigem atenção contínua e regulamentação adequada. Além disso, a resistência cultural e a falta de transparência em sistemas de IA são obstáculos que devem ser superados para que a tecnologia alcance seu pleno potencial.

No horizonte em que se assenta o futuro, a IA promoverá a transformações de impacto na advocacia, lideradas pela IA generativa, personalização do atendimento jurídico e versão híbrida dos serviços jurídicos, o que exigirá novas habilidades e abordagens. Nesse sentido, a formação jurídica deverá ser adaptada ao novo ambiente de negócios, incorporando disciplinas sobre tecnologia e ética da IA que desenvolvam as competências dos profissionais do futuro. Como observado pela American Bar Association, “o advogado do futuro não será substituído pela IA, mas será aquele que souber utilizá-la de forma estratégica e responsável” (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2023). Essa é uma premissa que deve ser levada a sério pelos advogados, porque um processo rápido de adaptação será definitivo no sucesso da IA na advocacia.

Em síntese, a IA representa uma oportunidade sem precedentes para a advocacia, mas seu uso deve ser guiado por princípios éticos e regulamentações robustas. Reiteramos, assim, que a colaboração entre governos, organizações internacionais e comunidade jurídica haverá de pautar as garantias necessárias ao correto e justo manejo da tecnologia, a benefício da sociedade, da justiça, da transparência e da eficiência. Enfim, parafraseando a Stanford Law School, “o futuro da advocacia não será definido pela IA, mas pela forma como os advogados a utilizam para servir melhor seus clientes e a sociedade” (STANFORD LAW SCHOOL, 2023).

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Márcio Aguiar

Márcio Aguiar

Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

 

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/426895/a-ia-na-advocacia-transformacoes-desafios-e-o-futuro-do-direito

Crédito consignado e efeitos da litigância abusiva

Cenário recente é marcado por um significativo aumento da judicialização dessa modalidade de crédito

O crédito consignado tem se consolidado como uma das modalidades de financiamento mais vantajosas para o consumidor brasileiro, especialmente pelas taxas de juros reduzidas e pela segurança proporcionada pelo desconto automático em folha de pagamento. No entanto, o cenário recente é marcado por um significativo aumento da judicialização dessa modalidade de crédito, muitas vezes de forma abusiva, gerando impactos negativos tanto para os consumidores quanto para as instituições financeiras.

O debate do tema ganhou um novo capítulo desde o anúncio, pelo governo federal, de uma nova linha de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada, incluindo empregados rurais, domésticos e microempreendedores individuais (MEI).

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Sob o título de Crédito do Trabalhador, o programa reconhece essa modalidade de crédito como meio de estimular a economia, permitindo que os trabalhadores utilizem até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como garantia para a contratação do empréstimo. Além disso, é possível utilizar 100% da multa rescisória em caso de demissão sem justa causa, que corresponde a 40% do saldo do FGTS.

O aumento da oferta de crédito consignado será acompanhado do conhecido desafio da litigância abusiva. A judicialização excessiva e muitas vezes predatória tem gerado impactos negativos tanto para as instituições financeiras quanto para os consumidores, com reflexos diretos na precificação do crédito e na sustentabilidade dessa modalidade de financiamento.

Diante disso, é fundamental refletir sobre os impactos econômicos e jurídicos da litigância abusiva no crédito consignado, bem como sobre possíveis medidas para conter práticas que prejudicam tanto os consumidores quanto as instituições financeiras.

Para alinhar a exata compreensão do tema, é importante considerar que o crédito consignado é caracterizado pelo pagamento da dívida diretamente em folha salarial do tomador, o que reduz significativamente o risco de inadimplência e, consequentemente, os custos das operações de crédito (PINHEIRO, 2020). A modalidade é regulamentada pela Lei 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que estabelece regras para a concessão desse tipo de empréstimo a aposentados, pensionistas e trabalhadores do setor privado e público.

Além disso, a Resolução 3.954, de 24 de fevereiro de 2011, do Banco Central, determina os limites para as taxas de juros aplicáveis, garantindo que os tomadores tenham acesso a condições justas de financiamento. Como produto de crédito seguro, o consignado se destaca como alternativa viável para consumidores que precisam equilibrar seu orçamento sem comprometer o próprio sustento com despesas extraordinárias.

Com tudo, o crescimento exponencial de ações judiciais relacionadas ao crédito consignado, pelas vias de práticas fraudulentas, como alegações infundadas de contratação não reconhecida, tentativas de revisão contratual desprovidas de base legal e pedidos de restituição de juros sob fundamentos inverídicos, classificadas como litigância predatória, desviam o ofício jurisdicional para o processamento e julgamento de ações sustentadas pelo único e ilegítimo intuito de se obterem vantagens indevidas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).

Entre os principais desvios de litigância abusiva no crédito consignado, destacam-se:

Fraudes por auto simulação: Casos em que o próprio tomador contrai o empréstimo e, posteriormente, alega o desconhecimento do serviço, buscando a restituição dos valores pagos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022, cerca de 35% das ações envolvendo crédito consignado apresentavam indícios de fraude por auto simulação (CNJ, 2022).

Revisão das taxas de juros sem fundamento: Demandas que visam à redução dos juros de contratos já firmados, mesmo quando se adequam aos limites estabelecidos pelo Banco Central. Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Bancário (IBDB, 2023) demonstrou que 42% das ações ajuizadas entre 2021 e 2023 tiveram o objetivo da revisão de juros sem qualquer comprovação de abusividade.

Ações idênticas massificadas: Escritórios captadores de litígios movem milhares de ações idênticas, sem individualizar as alegações, sobrecarregando o Judiciário e criando um efeito especulativo sobre as instituições financeiras. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) identificou que, em 2023, cinco escritórios jurídicos concentravam mais de 60% das demandas de revisão de crédito consignado no Estado.

Outro fator que agrava a litigância abusiva no setor de crédito consignado é a atuação de empresas de intermediação que promovem fraudes contra consumidores e instituições financeiras. Algumas dessas empresas abordam aposentados e pensionistas com a falsa promessa de recuperação de valores indevidos ou revisão contratual vantajosa.

No entanto, tais ações são, muitas vezes, baseadas em argumentos inconsistentes e configuram fraudes processuais. Além disso, há registros de casos em que esses atravessadores retêm indevidamente parte dos valores recebidos pelos clientes, gerando prejuízos diretos a consumidores vulneráveis.

O abuso do direito de ação, notadamente no que se refere às revisões das taxas de juros, faz surgir um efeito colateral preocupante: o aumento dos custos operacionais das instituições financeiras. Além das despesas processuais, os bancos são forçados a provisionar recursos para cobrir riscos adicionais, com reflexos diretos na precificação do crédito (TARTUCE, 2022).

Em ultima ratio, a crescente judicialização do crédito consignado pode comprometer a sustentabilidade desse modelo de financiamento. O aumento das ações judiciais induz as instituições financeiras a elevarem as taxas de juros para compensar os riscos, encarecendo o crédito para todos os consumidores. Esse fenômeno se alinha à chamada “economia dos litígios”, onde o excesso de demandas judiciais gera um ambiente de incerteza jurídica que, por sua vez, impacta negativamente o mercado de crédito (SCHREIBER, 2019).

Adicionalmente, o efeito de resfriamento do crédito consignado conduz a uma restrição na concessão desse financiamento, especialmente para consumidores de menor renda. Como resultado, indivíduos que, antes poderiam usufruir das vantagens dessa linha de crédito para enfrentar despesas inesperadas, podem se manter a distância de alternativas de financiamento seguras, sendo obrigados a recorrer a modalidades mais onerosas.

Diante do avanço da litigância abusiva no crédito consignado, é essencial a adoção de medidas que restrinjam os reveses sobre o mercado consumidor e, sobretudo, financeiro. Nesse sentido, sugere-se a implementação de algumas estratégias:

Adoção de filtros processuais mais rigorosos: O Poder Judiciário deve intensificar a aplicação de mecanismos que identifiquem e coíbam demandas fraudulentas. A imposição de multas e a responsabilização por litigância de má-fé, conforme o art. 80 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), devem ser aplicadas de forma mais eficaz.

Atuação sistemática e incisiva dos órgãos reguladores: O Banco Central, a Senacon e o Ministério da Justiça devem estabelecer mecanismos que desestimulem fraudes e revisões contratuais sem fundamento. Campanhas educativas sobre os direitos e deveres dos consumidores no crédito consignado são de grande utilidade.

Desenvolvimento de mecanismos alternativos de resolução de conflitos: A mediação e a conciliação são instrumentos fundamentais para evitar o ajuizamento desnecessário de demandas. A implementação de núcleos especializados nos tribunais pode agilizar a solução de conflitos e reduzir a sobrecarga do sistema judiciário.

Criação de sistema de monitoramento de litigância abusiva: A formação de um cadastro nacional de litigantes reincidentes pode servir como ferramenta para identificação de práticas predatórias. Escritórios de advocacia que ajuízam ações massificadas, sem individualização das alegações, devem ser fiscalizados com rigor.

Aperfeiçoamento dos contratos e dos mecanismos de transparência: Instituições financeiras podem aprimorar a clareza dos contratos de crédito consignado, garantindo que os consumidores compreendam integralmente as condições pactuadas. A adoção de ferramentas tecnológicas que possibilitem a gravação do consentimento do tomador também é um instrumento probatório de combate de alegações infundadas de não contratação.

Nesse contexto, a adoção de tecnologias inovadoras tem se mostrado uma ferramenta eficaz para garantir a segurança jurídica das transações e reduzir o número de ações judiciais infundadas. Atendendo ao apelo do Poder Judiciário, as instituições financeiras têm desenvolvido plataformas para validação das contratações por meio de videochamadas.

Essa inovação, que não se restringe a selfies e provas de vida tradicionalmente utilizadas nas contratações digitais, permite a gravação em tempo real da interação entre o consumidor e o preposto dos bancos. Durante a referida videochamada, são confirmados os dados pessoais do contratante, o produto ofertado, a intenção de contratar e o aceite formal do cliente.

Sabe-se que o Código de Processo Civil, em seus artigos 396 a 484, regulamenta os elementos que contribuem para a formação da convicção do julgador quanto à existência de fatos controvertidos. Nesse sentido, o modelo de gravação audiovisual descrito enquadra-se na categoria de prova digital, plenamente aceita no âmbito processual, definida como o “instrumento jurídico vocacionado a demonstrar a ocorrência ou não de determinado fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais, ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração” (THAMAY; TAMER, 2020).

A adoção dessa tecnologia tem sido amplamente prestigiada por magistrados e desembargadores de diversos Tribunais de Justiça do Brasil, que já se manifestaram favoravelmente ao uso de videochamadas como meio de comprovação da ciência da contratação pelo aderente e do cumprimento do dever de informação por parte dos bancos. Veja-se: essa inovação não apenas reforça a segurança jurídica das transações, mas também contribui para a redução de litígios, vez que serve como prova robusta e irrefutável da manifestação da vontade e do consentimento informado do consumidor.

Além disso, as provas audiovisuais alinham-se aos princípios basilares da boa-fé contratual e da cooperação entre as partes, previstos no ordenamento jurídico. Ao exigir que as partes ajam com transparência e lealdade durante a formação e execução dos contratos, a boa-fé objetiva é atendida com precisão por esse mecanismo de validação do negócio jurídico, que garante ao consumidor o pleno conhecimento das condições contratuais antes de acedê-las.

Outro aspecto relevante é o potencial dessa tecnologia para mitigar o ajuizamento de ações em massa e coibir o enriquecimento ilícito. A gravação audiovisual, ao documentar todo o processo de contratação, dificulta a alegação de desconhecimento, contribuindo para a justiça e a efetiva equidade nas relações consumeristas.

De fato, a incorporação de provas audiovisuais no processo de contratação bancária configura um avanço substancial no enfrentamento das fraudes e na solidificação da segurança jurídica dos contratantes. Ao integrar tecnologia e direito, as instituições financeiras não apenas resguardam seus próprios interesses, mas também reforçam a confiança de seus clientes, elemento essencial para a estabilidade e o funcionamento adequado do sistema financeiro.

A rigor, essa experiência também demonstra como a necessidade de se conceber abordagem multissetorial que envolva o Judiciário, órgãos reguladores, instituições financeiras e a sociedade civil. Apenas com a coordenação de medidas eficazes será possível reduzir os efeitos da litigância predatória e garantir um ambiente jurídico hígido e equilibrado.

Se o crédito consignado representa uma alternativa de financiamento acessível e segura para milhões de brasileiros, o enfrentamento do avanço da litigância abusiva deve ser entendido como uma política de interesse social, para mitigar os riscos à sustentabilidade desse modelo e conter os custos excessivos para a sociedade, para que não se assista uma grave redução do acesso ao crédito.

Decerto, são dignas de nota algumas respostas já adotadas como contraofensiva à judicialização do crédito consignado: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem investigado fraudes no setor e incentivado soluções extrajudiciais como forma de inibir a litigância predatória. Outrossim, conciliação prévia e a mediação têm sido fomentadas pela sua eficácia para evitar o aumento excessivo de demandas no Judiciário (VALOR, 2024).

Com razão, os Tribunais brasileiros começam a adotar iniciativas para coibir abusos, como a aplicação de penalidades mais rigorosas para litigantes contumazes. Essas ações podem contribuir para reduzir o impacto econômico da litigância predatória e preservar a estabilidade do crédito consignado.

No combate à litigância abusiva, não é possível abdicar da obrigatoriedade da tentativa de resolução extrajudicial antes do ajuizamento das ações. Representa prática louvável do Judiciário nessa direção a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), de outubro de 2024, no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1.0000.22.157099-7/001, ao considerar obrigatória a tentativa de resolução extrajudicial antes de se iniciar a ação judicial. Trata-se de avanço significativo para a redução da judicialização desnecessária.

Convém rememorar que a tentativa de resolução extrajudicial pode ser comprovada pelo registro do acesso a canais oficiais, aos Serviços de Atendimento ao Cliente, aos Programas de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), ao Banco Central ou a plataformas digitais como o Consumidor.Gov e Reclame Aqui.

A tentativa prévia pode ser dispensada apenas em situações de risco iminente de perecimento do direito ou urgência. Diante de tantos meios de composição do litígio, a ausência de prova da tentativa prévia de solução conduz prontamente ao indeferimento da petição inicial e à imediata extinção do processo sem julgamento de mérito.

De igual forma, não se deve olvidar de que há escritórios especializados no combate à litigância predatória, que desempenham papel fundamental no equilíbrio do sistema jurídico, contribuindo para a redução da judicialização excessiva e efetiva proteção dos consumidores contra fraudes.

Por meio de ações estratégicas, como a análise criteriosa de processos, a atuação na formação de sólida jurisprudência contra litigantes abusivos e a conscientização dos magistrados sobre as consequências desairosas decorrentes dessas práticas, tais escritórios contribuem decisivamente para o fortalecimento da previsibilidade e da segurança jurídica no setor de crédito.

O acompanhamento processual estratégico, a formulação de teses defensivas inovadoras e o uso de tecnologia para mapear padrões de litigância predatória também são atividades de destaque nesses escritórios, que constituem células de advogados com expertise na investigação, identificação e persecução de fraudes processuais.

Enfim, somente a articulação entre diversos agentes em busca da repressão da judicialização predatória será capaz de preservar os benefícios do crédito consignado, como solução eficaz para a estabilidade financeira dos consumidores, e de resgatar a função do advogado como profissional “indispensável à administração da justiça”, na sábia dicção do art. 133 da Constituição Cidadã.

 

Márcio Aguiar

27/03/2025|05:20

 

Fonte: https://www.jota.info/artigos/credito-consignado-e-efeitos-da-litigancia-abusiva

TRT-MG valida prova digital para horas extras

Produção de prova de geolocalização por banco é válida, diz TRT-3

 

Por maioria de votos, os julgadores da 10ª Turma do Tribuna Regional de Trabalho da 3ª Região (MG) acolheram pedido de nulidade feita por uma instituição bancária, que argumentou que seu direito de defesa foi cerceado por não ter sido autorizada a produzir prova a partir da geolocalização da trabalhadora que a processa.

Banco conseguiu no TRT-3 o direito de produzir prova de geolocalização

Para provar que a ex-empregada não havia prestado horas extras, como alegou, o banco pediu ao juízo da Vara do Trabalho de Bom Despacho (MG) que fossem expedidos ofícios a empresas e operadoras de telefonia, com o objetivo de produzir prova sobre jornada de trabalho.

Entretanto, o juiz de primeiro grau rejeitou a pretensão, por entender que caberia à empresa produzir prova da jornada de trabalho. O juiz classificou o pedido como “medida extrema” e considerou que violaria garantias fundamentais, como a intimidade e a privacidade da autora.

Além disso, o julgador avaliou que a localização de dispositivo com GPS em local diverso, por si só, não comprovaria que a autora não estivesse presente na agência bancária. Isso porque ela poderia ter cedido ou emprestado o cartão ou seu aparelho tecnológico a pessoa de sua confiança.

Provas não são excludentes

Em grau de recurso, o desembargador Ricardo Marcelo Silva, atuando como relator, discordou dessa compreensão manifestada na sentença. Conforme pontuou o relator, no âmbito da Justiça do Trabalho, a verdade sempre foi edificada ou reconstruída com fulcro na prova testemunhal, ou seja, baseada na palavra humana, que, sabidamente, é passível de falhas, ocasionando não raro julgamento infiel ou injusto. No seu modo de entender, a produção de prova requerida é plenamente válida.

“A tecnologia, atualmente, permite saber a geolocalização das pessoas em tempo real, sendo a prova digital de fundamental importância em casos como o presente, em que se discute se houve ou não a prestação de horas extras pela reclamante”, destacou no voto.

Em sua decisão, o relator explicitou que “a utilização da prova digital visa, sobretudo, dar efetividade ao princípio filosófico do terceiro excluído, em que, para qualquer proposição, há duas possibilidades: ou ela é verdadeira ou a sua negação é verdadeira. Logo, se há duas proposições contraditórias, uma delas é verdadeira e a outra é falsa”.

Segundo o relator, a prova digital visa a determinar se são ou não verdadeiras as alegações das partes no que tange ao trabalho extraordinário. “Por meio da prova digital, é levado a efeito a ‘prova dos 9’, excluindo qualquer possibilidade de dúvida sobre a matéria controvertida”, acrescentou. Ele citou julgado do TST (processo 0024985-31.2022.5.04.0000) que corrobora essa visão:

“(…) A produção da prova testemunhal, documental e digital não são excludentes, daí ser frágil a ponderação de que a prova digital deve ser produzida supletivamente, até porque, conforme destacam Marinoni e Arenhart: ‘o processo não busca somente atender ao interesse das partes, há um interesse público na correta solução do litígio.’”

Para o relator, já que é lícito o contrato de trabalho firmado pelas partes e, como a empregada afirmou que estava prestando serviços em prol do banco nos horários indicados na petição inicial, a produção de prova digital deve ser permitida ao réu. Conforme pontuado, a geolocalização da trabalhadora nos horários apontados indicará se havia ou não a prestação de horas extras.

O julgador ressaltou, porém, que a prova deve ser produzida exclusivamente no período em que a autora alegou estar à disposição do banco, a fim de não violar o direito à intimidade da parte, com a colocação de segredo de justiça em relação à geolocalização.

Com esses fundamentos, foi acolhida a pretensão de produção de prova digital dentro dos limites destacados, determinando-se o retorno do processo ao juízo de origem, para as providências necessárias à realização da prova requerida pela defesa, proferindo-se nova sentença, como se entender de direito. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-3.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0010340-61.2022.5.03.0183

 

Fonte: ConJur – https://www.conjur.com.br/2025-mar-20/producao-de-prova-de-geolocalizacao-por-banco-e-valida-diz-trt-3/

O crédito consignado e os efeitos da litigância abusiva

O crédito consignado tem se consolidado como uma das modalidades de financiamento mais vantajosas para o consumidor brasileiro, especialmente pelas taxas de juros reduzidas e pela segurança proporcionada pelo desconto automático em folha de pagamento. No entanto, o cenário recente é marcado por um significativo aumento da judicialização dessa modalidade de crédito, muitas vezes de forma abusiva, gerando impactos negativos tanto para os consumidores quanto para as instituições financeiras.

O debate do tema ganhou um novo capítulo desde o anúncio, pelo governo Federal, de uma nova linha de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada, incluindo empregados rurais, domésticos e MEI – microempreendedores individuais. Sob o título de “Crédito do Trabalhador”, o programa reconhece essa modalidade de crédito como meio de estimular a economia, permitindo que os trabalhadores utilizem até 10% do saldo do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço como garantia para a contratação do empréstimo. Além disso, é possível utilizar 100% da multa rescisória em caso de demissão sem justa causa, que corresponde a 40% do saldo do FGTS.

O aumento da oferta de crédito consignado será acompanhado do conhecido desafio da litigância abusiva. A judicialização excessiva e muitas vezes predatória tem gerado impactos negativos tanto para as instituições financeiras quanto para os consumidores, com reflexos diretos na precificação do crédito e na sustentabilidade dessa modalidade de financiamento. Diante disso, é fundamental refletir sobre os impactos econômicos e jurídicos da litigância abusiva no crédito consignado, bem como sobre possíveis medidas para conter práticas que prejudicam tanto os consumidores quanto as instituições financeiras.

Para alinhar a exata compreensão do tema, é importante considerar que o crédito consignado é caracterizado pelo pagamento da dívida diretamente em folha salarial do tomador, o que reduz significativamente o risco de inadimplência e, consequentemente, os custos das operações de crédito (PINHEIRO, 2020). A modalidade é regulamentada pela lei 10.820, de 17/12/03, que estabelece regras para a concessão desse tipo de empréstimo a aposentados, pensionistas e trabalhadores do setor privado e público.

Além disso, a resolução 3.954, de 24/2/11, do Banco Central do Brasil, determina os limites para as taxas de juros aplicáveis, garantindo que os tomadores tenham acesso a condições justas de financiamento. Como produto de crédito seguro, o consignado se destaca como alternativa viável para consumidores que precisam equilibrar seu orçamento sem comprometer o próprio sustento com despesas extraordinárias.

Com tudo, o crescimento exponencial de ações judiciais relacionadas ao crédito consignado, pelas vias de práticas fraudulentas, como alegações infundadas de contratação não reconhecida, tentativas de revisão contratual desprovidas de base legal e pedidos de restituição de juros sob fundamentos inverídicos, classificadas como litigância predatória, desviam o ofício jurisdicional para o processamento e julgamento de ações sustentadas pelo único e ilegítimo intuito de se obterem vantagens indevidas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).

Entre os principais desvios de litigância abusiva no crédito consignado, destacam-se:

  • Fraudes por auto simulação: Casos em que o próprio tomador contrai o empréstimo e, posteriormente, alega o desconhecimento do serviço, buscando a restituição dos valores pagos. Segundo dados do CNJ, em 2022, cerca de 35% das ações envolvendo crédito consignado apresentavam indícios de fraude por auto simulação (CNJ, 2022).
  • Revisão das taxas de juros sem fundamento: Demandas que visam à redução dos juros de contratos já firmados, mesmo quando se adequam aos limites estabelecidos pelo Banco Central. Estudo realizado pelo IBDB – Instituto Brasileiro de Direito Bancário (2023) demonstrou que 42% das ações ajuizadas entre 2021 e 2023 tiveram o objetivo da revisão de juros sem qualquer comprovação de abusividade.
  • Ações idênticas massificadas: Escritórios captadores de litígios movem milhares de ações idênticas, sem individualizar as alegações, sobrecarregando o Judiciário e criando um efeito especulativo sobre as instituições financeiras. O TJ/SP identificou que, em 2023, cinco escritórios jurídicos concentravam mais de 60% das demandas de revisão de crédito consignado no Estado (TJ/SP, 2023).

Outro fator que agrava a litigância abusiva no setor de crédito consignado é a atuação de empresas de intermediação que promovem fraudes contra consumidores e instituições financeiras. Algumas dessas empresas abordam aposentados e pensionistas com a falsa promessa de recuperação de valores indevidos ou revisão contratual vantajosa. No entanto, tais ações são, muitas vezes, baseadas em argumentos inconsistentes e configuram fraudes processuais. Além disso, há registros de casos em que esses atravessadores retêm indevidamente parte dos valores recebidos pelos clientes, gerando prejuízos diretos a consumidores vulneráveis.

O abuso do direito de ação, notadamente no que se refere às revisões das taxas de juros, faz surgir um efeito colateral preocupante: o aumento dos custos operacionais das instituições financeiras. Além das despesas processuais, os bancos são forçados a provisionar recursos para cobrir riscos adicionais, com reflexos diretos na precificação do crédito (TARTUCE, 2022).

Em última análise, a crescente judicialização do crédito consignado pode comprometer a sustentabilidade desse modelo de financiamento. O aumento das ações judiciais induz as instituições financeiras a elevarem as taxas de juros para compensar os riscos, encarecendo o crédito para todos os consumidores. Esse fenômeno se alinha à chamada “economia dos litígios”, onde o excesso de demandas judiciais gera um ambiente de incerteza jurídica que, por sua vez, impacta negativamente o mercado de crédito (SCHREIBER, 2019).

Adicionalmente, o efeito de resfriamento do crédito consignado conduz a uma restrição na concessão desse financiamento, especialmente para consumidores de menor renda. Como resultado, indivíduos que, antes poderiam usufruir das vantagens dessa linha de crédito para enfrentar despesas inesperadas, podem se manter a distância de alternativas de financiamento seguras, sendo obrigados a recorrer a modalidades mais onerosas.

Diante do avanço da litigância abusiva no crédito consignado, é essencial a adoção de medidas que restrinjam os reveses sobre o mercado consumidor e, sobretudo, financeiro. Nesse sentido, sugere-se a implementação de algumas estratégias:

  • Adoção de filtros processuais mais rigorosos: O Poder Judiciário deve intensificar a aplicação de mecanismos que identifiquem e coíbam demandas fraudulentas. A imposição de multas e a responsabilização por litigância de má-fé, conforme o art. 80 do CPC (BRASIL, 2015), devem ser aplicadas de forma mais eficaz.

 

  • Atuação sistemática e incisiva dos órgãos reguladores: O Banco Central, a SENACON e o Ministério da Justiça devem estabelecer mecanismos que desestimulem fraudes e revisões contratuais sem fundamento. Campanhas educativas sobre os direitos e deveres dos consumidores no crédito consignado são de grande utilidade.

 

  • Desenvolvimento de mecanismos alternativos de resolução de conflitos: A mediação e a conciliação são instrumentos fundamentais para evitar o ajuizamento desnecessário de demandas. A implementação de núcleos especializados nos Tribunais pode agilizar a solução de conflitos e reduzir a sobrecarga do sistema Judiciário.

 

  • Criação de sistema de monitoramento de litigância abusiva: A formação de um cadastro nacional de litigantes reincidentes pode servir como ferramenta para identificação de práticas predatórias. Escritórios de advocacia que ajuízam ações massificadas, sem individualização das alegações, devem ser fiscalizados com rigor.

 

  • Aperfeiçoamento dos contratos e dos mecanismos de transparência: Instituições financeiras podem aprimorar a clareza dos contratos de crédito consignado, garantindo que os consumidores compreendam integralmente as condições pactuadas. A adoção de ferramentas tecnológicas que possibilitem a gravação do consentimento do tomador também é um instrumento probatório de combate de alegações infundadas de não contratação.

 

Nesse contexto, a adoção de tecnologias inovadoras tem se mostrado uma ferramenta eficaz para garantir a segurança jurídica das transações e reduzir o número de ações judiciais infundadas. Atendendo ao apelo do Poder Judiciário, as instituições financeiras têm desenvolvido plataformas para validação das contratações por meio de videochamadas. Essa inovação, que não se restringe a selfies e provas de vida tradicionalmente utilizadas nas contratações digitais, permite a gravação em tempo real da interação entre o consumidor e o preposto dos bancos. Durante a referida videochamada, são confirmados os dados pessoais do contratante, o produto ofertado, a intenção de contratar e o aceite formal do cliente.

Sabe-se que o CPC, em seus arts. 396 a 484, regulamenta os elementos que contribuem para a formação da convicção do julgador quanto à existência de fatos controvertidos. Nesse sentido, o modelo de gravação audiovisual descrito enquadra-se na categoria de prova digital, plenamente aceita no âmbito processual, definida como o “instrumento jurídico vocacionado a demonstrar a ocorrência ou não de determinado fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais, ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração” (THAMAY; TAMER, 2020).

A adoção dessa tecnologia tem sido amplamente prestigiada por magistrados e desembargadores de diversos Tribunais de Justiça do Brasil, que já se manifestaram favoravelmente ao uso de videochamadas como meio de comprovação da ciência da contratação pelo aderente e do cumprimento do dever de informação por parte dos bancos. Veja-se: essa inovação não apenas reforça a segurança jurídica das transações, mas também contribui para a redução de litígios, vez que serve como prova robusta e irrefutável da manifestação da vontade e do consentimento informado do consumidor.

Além disso, as provas audiovisuais alinham-se aos princípios basilares da boa-fé contratual e da cooperação entre as partes, previstos no ordenamento jurídico. Ao exigir que as partes ajam com transparência e lealdade durante a formação e execução dos contratos, a boa-fé objetiva é atendida com precisão por esse mecanismo de validação do negócio jurídico, que garante ao consumidor o pleno conhecimento das condições contratuais antes de acedê-las.

Outro aspecto relevante é o potencial dessa tecnologia para mitigar o ajuizamento de ações em massa e coibir o enriquecimento ilícito. A gravação audiovisual, ao documentar todo o processo de contratação, dificulta a alegação de desconhecimento, contribuindo para a justiça e a efetiva equidade nas relações consumeristas.

De fato, a incorporação de provas audiovisuais no processo de contratação bancária configura um avanço substancial no enfrentamento das fraudes e na solidificação da segurança jurídica dos contratantes. Ao integrar tecnologia e Direito, as instituições financeiras não apenas resguardam seus próprios interesses, mas também reforçam a confiança de seus clientes, elemento essencial para a estabilidade e o funcionamento adequado do sistema financeiro.

A rigor, essa experiência também demonstra como a necessidade de se conceber abordagem multissetorial que envolva o Poder Judiciário, órgãos reguladores, instituições financeiras e a sociedade civil. Apenas com a coordenação de medidas eficazes será possível reduzir os efeitos da litigância predatória e garantir um ambiente jurídico hígido e equilibrado.

Se o crédito consignado representa uma alternativa de financiamento acessível e segura para milhões de brasileiros, o enfrentamento do avanço da litigância abusiva deve ser entendido como uma política de interesse social, para mitigar os riscos à sustentabilidade desse modelo e conter os custos excessivos para a sociedade, para que não se assista uma grave redução do acesso ao crédito.

Decerto, são dignas de nota algumas respostas já adotadas como contraofensiva à judicialização do crédito consignado: o CNJ tem investigado fraudes no setor e incentivado soluções extrajudiciais como forma de inibir a litigância predatória. Outrossim, conciliação prévia e a mediação têm sido fomentadas pela sua eficácia para evitar o aumento excessivo de demandas no Judiciário (VALOR, 2024).

Com razão, os Tribunais brasileiros começam a adotar iniciativas para coibir abusos, como a aplicação de penalidades mais rigorosas para litigantes contumazes. Essas ações podem contribuir para reduzir o impacto econômico da litigância predatória e preservar a estabilidade do crédito consignado.

No combate à litigância abusiva, não é possível abdicar da obrigatoriedade da tentativa de resolução extrajudicial antes do ajuizamento das ações. Representa prática louvável do Judiciário nessa direção a decisão do TJ/MG, de outubro de 2024, no âmbito do IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 1.0000.22.157099-7/001, ao considerar obrigatória a tentativa de resolução extrajudicial antes de se iniciar a ação judicial. Trata-se de avanço significativo para a redução da judicialização desnecessária.

Convém rememorar que a tentativa de resolução extrajudicial pode ser comprovada pelo registro do acesso a canais oficiais, aos SAC – Serviços de Atendimento ao Cliente, aos Procon – Programas de Proteção e Defesa do Consumidor, ao Banco Central ou a plataformas digitais como o Consumidor.Gov e Reclame Aqui. A tentativa prévia pode ser dispensada apenas em situações de risco iminente de perecimento do direito ou urgência. Diante de tantos meios de composição do litígio, a ausência de prova da tentativa prévia de solução conduz prontamente ao indeferimento da petição inicial e à imediata extinção do processo sem julgamento de mérito.

De igual forma, não se deve olvidar de que há escritórios especializados no combate à litigância predatória, que desempenham papel fundamental no equilíbrio do sistema jurídico, contribuindo para a redução da judicialização excessiva e efetiva proteção dos consumidores contra fraudes. Por meio de ações estratégicas, como a análise criteriosa de processos, a atuação na formação de sólida jurisprudência contra litigantes abusivos e a conscientização dos magistrados sobre as consequências desairosas decorrentes dessas práticas, tais escritórios contribuem decisivamente para o fortalecimento da previsibilidade e da segurança jurídica no setor de crédito.

O acompanhamento processual estratégico, a formulação de teses defensivas inovadoras e o uso de tecnologia para mapear padrões de litigância predatória também são atividades de destaque nesses escritórios, que constituem células de advogados com expertise na investigação, identificação e persecução de fraudes processuais.

Enfim, somente a articulação entre diversos agentes em busca da repressão da judicialização predatória será capaz de preservar os benefícios do crédito consignado, como solução eficaz para a estabilidade financeira dos consumidores, e de resgatar a função do advogado como profissional “indispensável à administração da justiça”, na sábia dicção do art. 133 da Constituição Cidadã.

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ANGELO, Tiago; VITAL, Danilo. Em São Paulo, litigância predatória responde por 337 mil processos por ano. Consultor Jurídico, 9 out. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-09/sp-litigancia-predatoria-responsavel-337-mil-processos-ano/. Acesso em: 10 mar. 2025.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução n. 3.954, de 24 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre os limites das taxas de juros aplicáveis ao crédito consignado. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2025.

BRASIL. Lei n. 10.820, de 17 de dezembro de 2003. Dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.820.htm. Acesso em: 10 mar. 2025.

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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

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PINHEIRO, Armando. Crédito consignado: evolução, regulamentação e impacto no mercado financeiro. Revista de Direito Bancário, v. 25, n. 2, p. 67-89, 2020.

SCHREIBER, Anderson. Direito civil e a economia dos litígios. Revista de Direito Privado, v. 100, p. 11-38, 2019.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral e obrigações. 15. ed. São Paulo: Método, 2022.

THAMAY, Rennan; TAMER, Melina. Prova Digital no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.

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Márcio Aguiar  Márcio Aguiar – Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

Fonte: Migalhas – https://www.migalhas.com.br/depeso/426492/o-credito-consignado-e-os-efeitos-da-litigancia-abusiva

Judicialização na saúde suplementar: causas, impactos e caminhos para racionalização

A judicialização da saúde suplementar decorre de equação complexa que envolve diversos fatores. A expansão do acesso à justiça desempenha um papel crucial. A facilidade de ajuizamentos, aliada à atuação de escritórios com viés predatório em ações de massa contribui para a ampliação do contencioso.

Também, em outro cenário, o crescente avanço da medicina e o desenvolvimento de novas tecnologias médicas criam expectativas sobre tratamentos inovadores, muitas vezes de alto custo, que não se encontram disponíveis no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Conforme um estudo de 2022, questões contratuais, negativas de procedimentos e fornecimento de órteses e próteses estão entre as principais causas da judicialização na saúde suplementar. Os contratos anteriores à Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, embora representem apenas 3% da carteira de beneficiários, correspondem a 37,4% das ações judiciais, evidenciando a necessidade de regulação mais eficiente do setor.[1]

A atuação dos juízes frente a essas questões também merece análise. O Judiciário, ao se deparar com demandas que envolvem a saúde, enfrenta um dilema entre garantir o direito à vida e à dignidade dos pacientes e, ao mesmo tempo, preservar o equilíbrio econômico das operadoras.

A tendência é decidir em favor do consumidor, ignorando aspectos de viabilidade financeira e o impacto sistêmico das decisões. Medicamentos de alto custo, como os que atingem cifras de R$ 17 milhões por paciente, exemplificam situações de comprometimento da estabilidade econômica das empresas do setor.[2]

Outro aspecto relevante é a ocorrência de fraudes no setor. A CPI das Próteses, por exemplo, revelou esquemas fraudulentos envolvendo a prescrição de próteses e órteses sem necessidade real, apenas para beneficiar grupos específicos da cadeia de fornecimento.[3] A indústria farmacêutica também influi na situação quando incentiva premiações e benefícios a agentes de saúde para que prescrevam certos medicamentos e equipamentos, o que cria um ciclo vicioso de litígios, prejudicando operadoras e consumidores.

Diante desse cenário desafiador, a busca por soluções estruturais é imprescindível. Iniciativas já implementadas no setor público podem servir de modelo para a saúde suplementar. O Fórum Nacional de Saúde e os comitês estaduais de saúde têm se mostrado eficazes na criação de espaços de discussão e mediação entre os diversos atores envolvidos, permitindo que demandas sejam resolvidas antes de alcançar o Judiciário.

A utilização da medicina baseada em evidências também surge como uma estratégia fundamental para qualificar as decisões judiciais. A implementação de um Portal da Transparência para registrar benefícios recebidos por profissionais de saúde, bem como a análise técnica da pertinência de tratamentos, pode auxiliar na redução de litígios.

O fortalecimento de mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, como a mediação e a conciliação, representa uma alternativa para evitar o acirramento da litigiosidade. A atuação das agências reguladoras deve ser revisitada, de modo a torná-las instâncias proativas na redução do contencioso.

A atuação de escritórios especializados em suporte jurídico estratégico para operadoras de saúde suplementar é um diferencial digno de registro. Escritórios qualificados desempenham papel fundamental na garantia da conformidade regulatória, na segurança contratual e na oferta de previsibilidade econômica para as operadoras.

A recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no âmbito do IRDR relativo ao Tema 91, estabeleceu que o interesse de agir nas demandas consumeristas de natureza prestacional depende da comprovação de tentativa prévia de solução extrajudicial da controvérsia. Esse entendimento reforça a necessidade de atuação preventiva dos escritórios de advocacia, auxiliando as operadoras na criação de mecanismos eficazes de atendimento ao consumidor, visando reduzir o passivo judicial.

A implementação de estratégias jurídicas baseadas no IRDR possibilita às operadoras maior segurança no tratamento de ações e na definição de critérios para a negativa de procedimentos que não estejam conforme as diretrizes da ANS, com reflexos no menor risco de condenações e na maior previsibilidade da gestão financeira.

Acrescente-se que o suporte jurídico especializado permite às operadoras adequar seus contratos e regulamentos internos às constantes mudanças legislativas e jurisprudenciais, garantindo que seus modelos de negócio estejam alinhados às melhores práticas do setor.

A parceria entre operadoras e escritórios com atuação dedicada ao setor contribui para um modelo de atuação que harmoniza os interesses dos consumidores e dos agentes econômicos, promovendo o equilíbrio financeiro e a mitigação da litigiosidade. Com essa abordagem, é possível edificar um ambiente mais seguro e eficiente para a saúde suplementar no Brasil.

A judicialização da saúde suplementar, portanto, é um desafio complexo que exige soluções sistêmicas. A sustentabilidade do setor depende da implementação de políticas públicas que promovam o equilíbrio entre os direitos dos consumidores e a viabilidade econômica das operadoras.

A crescente judicialização da saúde suplementar no Brasil gera impactos significativos para o sistema de justiça e para a economia do país, fragilizando as premissas de equidade e eficiência na distribuição dos serviços de saúde.

É cediço que a ANS desempenha um papel fundamental na regulação do setor e na prevenção de litígios. No entanto, é necessário aprimorar os mecanismos de regulação para proporcionar maior segurança jurídica e previsibilidade para beneficiários e operadoras. Uma das principais questões que impulsionam a judicialização é a interpretação do rol de procedimentos da ANS, que define os serviços mínimos obrigatoriamente cobertos pelos planos de saúde.

É essencial que a ANS estabeleça critérios mais objetivos e transparentes na inclusão e revisão de procedimentos no rol de cobertura. Além disso, a criação de mecanismos de revisão periódica e dinâmica, com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil, pode evitar interpretações divergentes e reduzir a necessidade de ações judiciais.

A criação de câmaras técnicas de mediação, compostas por profissionais especializados em saúde e Direito, pode oferecer soluções mais rápidas e eficientes para os beneficiários. Essas câmaras poderiam atuar em parceria com órgãos de defesa do consumidor e com as instâncias estaduais do Ministério Público, garantindo um atendimento mais ágil e acessível.

A aplicação da tecnologia à gestão das demandas judiciais, desde a automação de processos à utilização de inteligência artificial, também rende importante auxílio à prevenção e contenção de conflitos no setor. Ferramentas de análise preditiva são capazes de identificar padrões de reclamações e antecipar soluções para problemas recorrentes.

Outra contribuição qualificada ao monitoramento dos índices de judicialização e à resolução das demandas está relacionada à criação de plataforma digital integrada, que conecte operadoras, beneficiários, ANS e Judiciário. A plataforma prezaria pela transparência e pela aferição da conformidade dos benefícios pleiteados, antes da sua submissão ao Judiciário, como instrumento equivalente a uma segunda opinião médica automatizada.

Um dos desafios da saúde suplementar é a falta de informação dos beneficiários sobre seus direitos e deveres. Muitas ações judiciais podem ser evitadas com a adoção de critérios que promovam maior clareza sobre as regras de cobertura, reajustes e condições contratuais. Campanhas educativas promovidas pela ANS, associações de consumidores e pelo próprio setor podem contribuir, efetivamente, para a redução da litigiosidade.

Também a capacitação dos magistrados sobre questões técnicas relacionadas à saúde suplementar é fundamental para que as decisões judiciais sejam adotadas de forma coerente com a realidade da saúde no Brasil.

Note-se que a judicialização observada em números crescentes é uma prática comum entre cidadãos com melhor condição econômica,[4] o que desafia a lógica da universalização do acesso ao Judiciário que, a rigor, encontra-se ocupado por ações deflagradas por parcela reduzida da população.

Para que a saúde suplementar seja viável a longo prazo, urge uma revisão profunda das causas que atormentam o setor, a partir de uma visão sistêmica e do reforço do elo entre os segmentos público e privado. Atualmente, não há evidências de uma integração formal e abrangente entre as plataformas de telessaúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e as operadoras de planos de saúde no Brasil.

Embora o SUS apresente iniciativas próprias, como o Programa Telessaúde Brasil Redes, que visa apoiar as equipes de atenção básica por meio de teleconsultorias e educação permanente,[5] a sustentabilidade dessas ações é prejudicada pela ausência de mecanismos válidos de integração com o setor privado.

Durante a pandemia de Covid-19, foi possível assistir a tímida aceleração na transformação digital da saúde.[6] Entretanto, persiste a carência de uma integração entre as plataformas de telessaúde do SUS e as das operadoras privadas, que poderia otimizar recursos e evitar a sobrecarga do sistema público.

Conclui-se que a resposta à judicialização da saúde suplementar exige soluções articuladas e inovadoras. O fortalecimento da regulação na definição bem delineada dos direitos e deveres dos beneficiários, a ampliação dos mecanismos extrajudiciais na resolução de litígios na área de saúde, o uso da tecnologia em prol da transparência e da verificação da consistência das reclamações são algumas medidas para reduzir a litigiosidade, mas essenciais para garantir um sistema de saúde mais eficiente e sustentável.

A construção de um novo pacto social entre beneficiários, operadoras, Poder Judiciário e órgão regulador é a única equação apta a equilibrar direitos individuais e coletivos, assegurando que a saúde suplementar atenda com qualidade e acessibilidade a milhões de brasileiros.


[1] SILVA, Andréa Ferreira da; MOTA, Eduardo Luiz da Costa; ARAÚJO, Francisco de Assis; MACHADO, José dos Reis; LIMA, Luciana de Oliveira; LIMA, Ricardo Alexandre de Mendonça. A judicialização na saúde suplementar: uma avaliação das ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010-2017. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. 134, p. 566-579, jul./set. 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/ 79PXPwMTb8XnzD3396jvJqk/?lang=pt. Acesso em: 19 fev. 2025.

[2] O medicamento Hemgenix, utilizado no tratamento da hemofilia B, tem custo aproximado de US$ 3,5 milhões, equivalente a cerca de R$ 17,7 milhões (disponível em: https://ndmais.com.br/saude/ate-r-177-milhoes-veja-lista-dos-remedios-mais-caros-do-mundo. Acesso em: 19 fev. 2025). Além disso, o Elevidys, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar a distrofia muscular de Duchenne, pode custar até R$ 20 milhões no Brasil (disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/01/29/remedio-mais-caro-do-brasil-custa-ate-r-20-milhoes-e-nao-tem-previsao-para-chegar-ao-sus.ghtml. Acesso em: 19 fev. 2025). Esses valores ilustram os desafios enfrentados pelo sistema de saúde suplementar diante de tratamentos de alto custo.

[3] Conforme relatório final de julho de 2015 do deputado federal André Fufuca (PEN-MA), emitido no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investigou a Máfia das Órteses e Próteses (disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1579578. Acesso em: 19 fev. 2025).

[4] SILVA, Andréa Ferreira da; MOTA, Eduardo Luiz da Costa; ARAÚJO, Francisco de Assis; MACHADO, José dos Reis; LIMA, Luciana de Oliveira; LIMA, Ricardo Alexandre de Mendonça. Op. cit.

[5] Conforme notícia disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/seidigi/sus-digital/telessaude. Acesso em: 19 fev. 2025.

[6] SILVA, Adriano Massuda; MACHADO, Cristiani Vieira; ANDRADE, Gabriela Ramos de; LIMA, Luciana Dias de; ALVES, Maria Tereza. Teleassistência no Sistema Único de Saúde brasileiro: onde estamos e para onde vamos? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n. 7, p. 1783-1794, jul. 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/ WHgTDFZpBZCLk9kNrMdStbH. Acesso em: 19 fev. 2025.

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Márcio Aguiar

Sócio fundador da Banca Corbo, Aguiar e Waise Advogados Associados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-diretor jurídico da Câmara Portuguesa de Indústria e Comércio

Fonte: Judicialização na saúde suplementar: causas, impactos e caminhos para racionalização

Vitória da advocacia Decisão do STF sobre ISS para sociedades de advogados corrige arbitrariedade, diz Gustavo Brigagão

O Supremo Tribunal Federal certificou nesta quinta-feira (6/3) o trânsito em julgado da decisão que acabou com a cobrança do ISS progressivo das sociedades de advogados da cidade de São Paulo. Uma vitória da advocacia e do bom senso.

Lei paulistana aumentava ISS para sociedades de advogados com faixas progressivas de receita bruta mensal

O advogado Gustavo Brigagão, presidente nacional do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e sócio fundador do escritório Brigagão, Duque Estrada — Advogados, afirma que a decisão do Supremo corrige uma arbitrariedade praticada pelo município de São Paulo.

“Desde o início dos anos 90, o Cesa tem conseguido reiteradas vitórias contra arbitrariedades praticadas pelos municípios no que se refere à cobrança do ISS sobre as sociedades profissionais. Essas decisões reafirmam a ilegalidade de quaisquer sistemáticas de tributação que destoem do DL 406/68 e protegem a segurança jurídica e os direitos das sociedades de advogados e demais profissionais regulamentados”, disse ele.

Leia a seguir a íntegra da manifestação de Gustavo Brigagão:

“De acordo com o art. 146, III, ‘a’, da Constituição, compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, inclusive sobre a base de cálculo dos tributos previstos na Constituição.

As sociedades profissionais (entre as quais se incluem as de advogados) recolhem o ISS na forma do art. 9º, §§ 1º e 3º do Decreto-Lei (DL) 406/68. Essa norma foi recepcionada pela Constituição com status de lei complementar e teve a sua validade reafirmada, em diversas ocasiões, pelos tribunais superiores (STF e STJ).

De acordo com o referido DL, o ISS das sociedades uniprofissionais deve ser calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviço em nome da sociedade (ISS ‘fixo’).

No entanto, no final de 2021, em manifesta afronta ao disposto no DL 406/68, foi promulgada a Lei Municipal/SP 17.719/21, que alterou a forma mediante a qual as sociedades profissionais paulistanas deveriam recolher o ISS.

Fruto de um projeto de lei de autoria do município, a referida lei passou a prever faixas de receita bruta mensal, e não mais bases fixas, para a determinação do valor de imposto devido.

A base utilizada para o cálculo do ISS devido pelas sociedades profissionais, que anteriormente era um valor fixo aplicado sobre a quantidade de profissionais, passou a ser determinada com base na tabela progressiva ao lado:

Reprodução

tabela Brigagão

Portanto, a base utilizada para o cálculo mensal do ISS devido, que anteriormente era de R$ 1.995,26 por profissional, passou a considerar a quantidade de profissionais que compõem a sociedade, podendo chegar ao expressivo valor de R$ 60 mil por profissional.

Diante da manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade dessa alteração, Cesa, OAB-SP e Sinsa uniram esforços e impetraram mandado de segurança coletivo para afastar os efeitos concretos da Lei 17.719/21 e, com isso, assegurar às suas associadas o direito de recolher o ISS na forma da legislação anterior à referida norma.

Todas as decisões proferidas no processo em questão (liminar, sentença e acórdão) foram favoráveis às sociedades de advogados, isto é, repeliram a alteração legislativa em questão e concederam o direito pleiteado.

O município de São Paulo chegou a interpor recurso extraordinário (RE) na tentativa de ver a matéria apreciada pelo STF. No entanto, o RE em questão foi inadmitido pelo TJ-SP, o que foi posteriormente confirmado pelo STF, que rejeitou os diversos recursos interpostos pela Procuradoria do município.

Ontem (6/3), foi certificado o trânsito em julgado da decisão favorável às sociedades de advogados associadas a Cesa, OAB-SP e Sinsa. Com isso, a aplicação da Lei 17.719/21 restou definitivamente afastada e as associadas que vinham depositando o ISS judicialmente poderão requerer a devolução dos valores.

Desde o início dos anos 90, o Cesa tem conseguido reiteradas vitórias contra arbitrariedades praticadas pelos municípios no que se refere à cobrança do ISS sobre as sociedades profissionais. Essas decisões reafirmam a ilegalidade de quaisquer sistemáticas de tributação que destoem do DL 406/68 e protegem a segurança jurídica e os direitos das sociedades de advogados e demais profissionais regulamentados”.

 

Fonte: ConJur – https://www.conjur.com.br/2025-mar-07/decisao-do-stf-sobre-iss-para-sociedades-de-advogados-corrige-arbitrariedade-diz-gustavo-brigagao/

ALÍVIO NO CALOR – OAB-RJ propõe PL sobre dispensa de paletó e gravata para advogados durante o verão

A seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) apresentou à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro a minuta de um projeto de lei para estabelecer a dispensa do uso de paletó e gravata para advogados no exercício da profissão, durante o verão, em todo o estado. A medida visa preservar a saúde dos profissionais, que sofrem com as altas temperaturas.

Deputada Tia Ju (esquerda) recebeu PL de Ana Tereza Basilio, presidente da OAB-RJ

No último dia 24, a presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basilio, levou a minuta à deputada estadual Tia Ju (Republicanos), que apoia a iniciativa e a protocolou como projeto de lei no dia seguinte.

“Enviamos ofícios regularmente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao Tribunal Regional do Trabalho e ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região para pedir essa dispensa por causa do forte calor. Com uma legislação específica, não será mais necessário fazer esses pedidos. Todos terão de acatar a medida, inclusive órgãos federais com sede no Rio”, explica Ana Basilio.

De acordo com o projeto, a dispensa se aplica a audiências, sessões de julgamento, despachos com magistrados e conselheiros e demais atos em tribunais, órgãos administrativos e judiciários no período compreendido entre 10 de dezembro e 31 de março de cada ano.

Também participaram do encontro na Alerj o presidente e o vice-presidente da Comissão de Assuntos Legislativos Estaduais e Municipais da OAB-RJ, José Antônio Fachada e Ricardo Alves, respectivamente, além do diretor de Defesa da Diversidade da seccional, Nélio Georgini. Com informações da assessoria de imprensa da OAB-RJ.

 

Fobte: ConJur –  https://www.conjur.com.br/2025-mar-05/oab-rj-propoe-pl-sobre-dispensa-de-paleto-e-gravata-para-advogados-durante-o-verao/

Para se consolidar como corte de precedentes, TST firma 21 teses vinculantes

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu nesta segunda-feira (24/2) 21 teses vinculantes e admitiu 14 novos incidentes de recursos de revista repetitivos.

 

Ministro Aloysio Corrêa da Veiga afirmou que sessão desta segunda foi ‘histórica’

Nas teses, houve a reafirmação da jurisprudência consolidada na corte. Ou seja, foram aprovados enunciados nos casos em que não há divergência entre os colegiados do TST.

As teses vinculantes aprovadas na sessão desta segunda ainda passarão por um aperfeiçoamento de redação, o que deve ser feito na semana seguinte ao Carnaval.

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico que a sessão desta segunda foi “histórica”, uma vez que consolidou o papel da corte como um tribunal de precedentes, e não de rejulgamento.

“De fato foi uma sessão histórica, no sentido de qualificar a jurisprudência, de modo que o tribunal seja uma corte de precedentes, e não de rejulgamento das instâncias anteriores. É necessário que o TST uniformize sua jurisprudência, indicando as teses que solucionam os conflitos de interesse.”

“O TST deve sinalizar a interpretação da lei, de modo que haja o cumprimento pelas instâncias de primeiro grau e dos Tribunais Regionais do Trabalho. Deve haver precedentes que impeçam a multiplicidade de recursos”, concluiu o presidente.

Quanto à admissão de 14 incidentes de recursos de revista repetitivos, o presidente do TST disse que pretende julgar todos os casos ainda durante a sua gestão, que termina em setembro deste ano.

O objetivo, explicou ele, é dar uma resposta definitiva aos temas em que ainda há divergência entre as turmas ou com a Subseção Especializada em Dissídios Individuais.

Tribunal de teses

Foram firmadas teses em assuntos variados, como horas de deslocamento, dispensa por justa causa, cerceamento de defesa, recolhimento de depósitos de FGTS e ajuizamento de reclamações trabalhistas.

“O TST fez hoje (segunda-feira) uma sessão histórica, com a qual a Justiça do Trabalho ingressa, de forma definitiva, no sistema de precedentes idealizado pelo CPC de 2015. O Pleno do TST, sob a presidência do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, promoveu a reafirmação de diversas teses já pacificadas, além da instauração de novos incidentes de resolução de recursos repetitivos”, disse à ConJur o ministro Douglas Alencar Rodrigues.

Segundo ele, as teses não só asseguram às partes e aos demais atores sociais a uniformidade no tratamento judicial, mas também “garantem previsibilidade” e resguardam “expectativas em situações futuras que já tenham sido resolvidas pela jurisprudência”.

O ministro Alexandre Agra Belmonte também afirmou se tratar de uma sessão histórica, que qualifica o TST como um tribunal de teses.

“A sessão é histórica porque busca reafirmar a jurisprudência do TST naquilo que ainda não era objeto de súmula. O que se busca é que o TST, que tem por fim uniformizar a jurisprudência, se qualifique como um tribunal de teses e que essas teses sejam obrigatoriamente seguidas.”

Confira a seguir as teses:

RRAg 3-65.2023.5.05.0201: Nos casos em que o empregado ajuíza reclamação trabalhista pretendendo a percepção de parcelas relativas ao FGTS e à respectiva multa, os valores devem ser depositados em conta vinculada, e não pagos diretamente ao trabalhador.

RRAg 38-03.2022.5.09.0022: O artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo devidas, no período anterior à sua revogação pela Lei 13.467/17, as horas extras pela inobservância do intervalo nele previsto, não se exigindo tempo mínimo de sobrejornada para a caracterização do direito ao intervalo.

RRAg 367-98.2023.5.17.0008: O reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho em juízo não afasta a incidência da multa do artigo 477, §8º, da CLT.

RRAg 375-02.2020.5.09.0009: O artigo 62, II, da CLT tem previsão específica a respeito da jornada do gerente-geral de agência bancária. A norma interna da Caixa Econômica Federal (PCS de 1989), mais benéfica, tem interpretação restritiva quando prevê a jornada de seis horas aos gerentes de agência enquadrados no §2º do artigo 224 da CLT, não alcançando o gerente-geral, nos termos da Súmula 287 desta corte, sendo indevidas as horas extras.

RR 401-44.2023.5.22.0005: A comercialização de produtos de outras empresas do grupo econômico do banco é compatível com o rol de atribuições do bancário, sendo indevido o pagamento de comissões pela venda de produtos quando não houver ajuste para essa finalidade.

RR 427-27.2024.5.12.0024: A validade do pedido de demissão da empregada gestante, detentora da estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), está condicionada à assistência do sindicato profissional ou da autoridade local competente, nos termos do artigo 500 da CLT.

RRAg 444-07.2023.5.17.0009: Não configura cerceamento de defesa o indeferimento de adiamento da audiência una ou de instrução quando a parte, intimada previamente para apresentar rol de testemunhas, não faz o arrolamento, nem leva as testemunhas espontaneamente à audiência, sem justificativa para o não comparecimento.

RRAg 756-63.2023.5.10.0013: Considerada sua natureza salarial, a função comissionada técnica (FCT), paga a empregados do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) de forma habitual e desvinculada do desempenho de atividade extraordinária ou de confiança, incorpora-se ao salário para todos os efeitos legais, inclusive para repercussão sobre adicional por tempo de serviço e adicional de qualificação.

RRAg 0000761-75.2023.5.05.0611: A mera imputação infundada de ato de desonestidade ao empregado não é suficiente para dar validade à dispensa por justa causa baseada em ato de improbidade (CLT, artigo 482, “a”), e quando revertida judicialmente configura dano in re ipsa, sendo devida a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais (CF, artigo 5º, X, CLT, artigo 223-B e CC, artigos 186, 187 e 927).

RR 1095-48.2023.5.06.0008: Por aplicação do princípio da aptidão para a prova, é do empregador o ônus de provar que o empregado não satisfez algum dos requisitos necessários para a concessão de promoções por antiguidade.

RRAg 0001101-51.2015.5.05.0012: Não são devidas horas in itinere aos empregados enquadrados no regime do artigo 1º da Lei 5.811, de 11/10/1972 (petroleiros), considerando que o transporte gratuito fornecido por força do artigo 3º, IV, da referida lei afasta a incidência do artigo 58, §2º, da CLT, interpretado pela Súmula 90 do TST.

RRAg 11023-69.2023.5.18.0014: A falta de instalações sanitárias adequadas e de local apropriado para alimentação a empregados que exercem atividades externas de limpeza e conservação de áreas públicas autoriza a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais, pois desrespeitados os padrões mínimos de higiene e segurança do trabalho, necessários e exigíveis ao ambiente de trabalho (NR-24 do MTE, CLT, artigo 157, Lei 8.213/91, artigo 19, e CF, artigo 7º, XXII).

RRAg 11110-03.2023.5.03.0027: A inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado.

RRAg 11255-97.2021.5.03.0037 e 1001661-54.2023.5.02.0084: As comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, aí incluídos os juros e os eventuais encargos financeiros, salvo pactuação em sentido contrário.

RR 11574-55.2023.5.18.0012: A submissão do trabalhador não especializado em segurança a transporte de valores acarreta exposição à situação de risco e configura ato ilícito a justificar a reparação por danos morais, sem necessidade de prova do abalo psicológico sofrido. A indenização é devida, inclusive, no caso de empresas de setor econômico diverso da atividade financeira.

RRAg 16607-89.2023.5.16.0009: O direito ao intervalo de dez minutos a cada 50 minutos trabalhados assegurado ao caixa bancário, previsto em norma coletiva ou em norma interna da Caixa Econômica Federal, é devido ainda que a atividade de digitação seja intercalada ou paralela a outra função, independentemente se praticada de forma preponderante ou exclusiva, salvo se, no instrumento coletivo ou norma interna que trata da matéria, houver exigência de que as atividades de digitação sejam feitas de forma exclusiva.

RRAg 20084-82.2022.5.04.0141: A ausência de anotação da carteira de trabalho do empregado não gera, por si só, dano moral in re ipsa, de modo que necessária a comprovação de constrangimento ou prejuízo sofrido pelo trabalhador em seu patrimônio imaterial, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil.

RRAg 20444-44.2022.5.04.0811: A realização de revista meramente visual nos pertences dos empregados, desde que procedida de forma impessoal, geral e sem contato físico nem exposição do trabalhador a situação humilhante e vexatória, não configura ato ilícito apto a gerar dano moral indenizável.

RRAg 0025331-72.2023.5.24.0005: O contrato de transporte de cargas, por possuir natureza comercial e não de prestação de serviços, afasta a terceirização prevista na Súmula 331 do TST, impedindo a responsabilização subsidiária da parte contratante.

RRAg 1000063-90.2024.5.02.0032: A irregularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS revela descumprimento de obrigação contratual, nos termos do artigo 483, “d”, da CLT, de gravidade suficiente para configurar a rescisão indireta do contrato de trabalho, sendo desnecessária a imediatidade na reação do empregado ao descumprimento contratual.

RRAg 1001634-27.2019.5.02.0435: As funções de motorista profissional e de cobrador devem ser incluídas na base de cálculo da cota de aprendizes prevista no artigo 429 da CLT.

Confira os incidentes de recursos repetitivos admitidos:

RR 26-43.2023.5.11.0201: É válido o recolhimento do preparo recursal por pessoa estranha à lide?

RR 51-62.2013.5.08.0113: A desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho é regida pela teoria maior ou pela teoria menor? É possível violação direta e literal à Constituição Federal nessa matéria para conhecimento do recurso de revista na fase de execução?

RR 0000148-36.2023.5.12.0037: É válida norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau de insalubridade para pagamento do respectivo adicional?

RR Ag 1058-29.2020.5.12.0050: Definir se são devidas horas extras ao trabalhador portuário avulso pela inobservância do intervalo interjornadas. Incidente de recursos repetitivos admitido.

RRAg 1583-45.2022.5.12.0016: No regime de trabalho 5 x 1, a não coincidência do repouso semanal remunerado com o domingo, a cada três semanas de trabalho, implica pagamento em dobro deste dia, por aplicação analógica do artigo 6º, §único, da Lei 10.101/2000 (atividades de comércio) e da incidência da Súmula 146 do TST?

RR 0010045-06.2024.5.03.0134: Ainda que inexista vício de consentimento do empregado, é possível converter judicialmente pedido de demissão em rescisão indireta no caso de falta grave cometida pelo empregador (CLT, artigo 483)?

RRAg 20040-50.2023.5.04.0231: No arbitramento de indenização, em parcela única, referente à pensão vitalícia por incapacitação permanente do empregado, por acidente do trabalho ou doença ocupacional, com fulcro no artigo 950, §único, do Código Civil, deve o juiz aplicar um redutor do quantum indenizatório?

RR 20332-13.2023.5.04.0012: Na substituição do depósito recursal, a fiança bancária ou o seguro garantia judicial devem ter prazo de validade indeterminado ou condicionado até a solução final do litígio, ou podem ter prazo determinado de validade?

RR 20732-51.2022.5.04.0371: O contrato mercantil na modalidade por facção enseja responsabilidade pelo contratante nos moldes do item IV da Súmula 331 do TST?

RR 0020577-72.2022.5.04.0751: É possível a inclusão de outras verbas de natureza salarial, previstas em norma regulamentar da Caixa Econômica Federal, na base de cálculo do adicional por tempo de serviço (ATS)?

RR 0020969-89.2022.5.04.0014: Decidir a) se é devido adicional de periculosidade aos motoristas, diante da existência de tanque suplementar nos veículos, para uso próprio, com capacidade superior a 200 litros, nas situações fáticas anteriores à edição da Portaria SEPRT 1.357/19, DOU de 10/12/2019, que alterou a NR16 DO MTb; b) se após a edição da Portaria SEPRT 1.357/19, DOU de 10/12/2019, que alterou a NR16 DO MTb, no item 16.6.1.1, deixou de ser devido adicional de periculosidade aos motoristas, qualquer que seja a capacidade de armazenamento dos tanques de combustível para uso próprio, originais de fábrica ou suplementares, desde que estes sejam certificados pelo órgão competente.

RR 0045200-20.2003.5.02.0042: A prescrição intercorrente no direito do trabalho somente incide quando o título executivo judicial é posterior à Lei 13.467/2017, ou basta que a intimação do exequente para impulsionar a execução seja posterior à vigência da lei?

RR 101113-51.2019.5.01.0010: É obrigatória a comprovação do pagamento do prêmio para validade do seguro garantia judicial?

RR 1002342-38.2022.5.02.0511: A suspensão dos prazos prescricionais prevista na Lei 14.010/2020 é aplicável ao Direito do Trabalho, tanto no caso de prescrição bienal quanto quinquenal?

Tiago Angelo

 

Fonte:ConJur – https://www.conjur.com.br/2025-fev-24/para-se-consolidar-como-corte-de-precedentes-tst-firma-21-teses-vinculantes/

 

A judicialização na saúde suplementar: Causas e impactos

result.titleMárcio Aguiar

A judicialização na saúde suplementar: Causas, impactos e caminhos para a racionalização.

A crescente judicialização na saúde suplementar tem se tornado a preocupação central para operadoras de planos de saúde, gestores públicos e o próprio Poder Judiciário. O aumento exponencial do número de demandas judiciais no setor reflete não apenas a busca por direitos individuais, mas também revela falhas estruturais que comprometem a sustentabilidade do sistema. Os altíssimos custos advindos dessas ações impactam diretamente ambos os setores privado e público, onerando toda a sociedade. Não se discute aqui, importante já deixar claro, o sagrado e constitucional direito de ação de todo cidadão que tenha o seu legítimo direito violado.

Conforme destacado pelo ministro Antonio Saldanha, do STJ, são mais de 800 operadoras de planos de saúde em atuação no país, atendendo cerca de 50 milhões de usuários. Se o setor privado colapsar devido aos prejuízos financeiros decorrentes da litigiosidade exacerbada, o SUS sofrerá impacto drástico, com consequências imprevisíveis para a população. Estima-se que, entre 2020 e 2023, o crescimento da judicialização no setor foi de 60%, gerando prejuízo de aproximadamente R$ 17,5 bilhões, dos quais R$ 8 bilhões, diretamente atribuídos a tais ações.

O fenômeno da judicialização da saúde suplementar decorre de uma equação complexa que envolve diversos fatores. A expansão do acesso à Justiça desempenha um papel crucial. A facilidade de ingresso com ações judiciais, aliada à atuação de escritórios com atuação predatória em demandas de massa, ainda muito timidamente contidas e penalizadas, contribui para a ampliação do contencioso. Também, em outro cenário, o crescente avanço da medicina e o desenvolvimento de novas tecnologias médicas e farmacêuticas criam expectativas sobre tratamentos inovadores, muitas vezes de alto custo, que não se encontram disponíveis no rol de procedimentos obrigatórios estabelecido pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Conforme apontado em estudo de 2022, questões contratuais, negativas de procedimentos e fornecimento de órteses e próteses estão entre as principais causas da judicialização na saúde suplementar. Outrossim, os contratos anteriores à lei 9.656, de 3/6/1998, embora representem apenas 3% da carteira de beneficiários, correspondem a 37,4% das ações judiciais, evidenciando a necessidade de regulação mais robusta e eficiente do setor.1

A atuação dos magistrados frente a essas questões também merece análise. O Judiciário, ao se deparar com demandas que envolvem a saúde, enfrenta um dilema entre garantir o direito à vida e à dignidade dos pacientes e, ao mesmo tempo, preservar o equilíbrio econômico das operadoras. Em muitos casos, a tendência é decidir favoravelmente ao consumidor, ignorando aspectos de viabilidade financeira e o impacto sistêmico das decisões. Medicamentos com valores exorbitantes, como aqueles que atingem as cifras de R$ 17 milhões por paciente, exemplificam situações em que a concessão de tratamentos por meio de ações judiciais pode comprometer a estabilidade econômica das empresas do setor.2

Outro aspecto relevante a ser considerado é a ocorrência de fraudes no setor da saúde suplementar. A CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito das Próteses, por exemplo, revelou esquemas fraudulentos envolvendo a prescrição de próteses e órteses sem necessidade real, apenas para beneficiar grupos específicos da cadeia de fornecimento.3 A indústria farmacêutica também é frequentemente apontada como um agente que incentiva práticas questionáveis, oferecendo premiações e benefícios a profissionais de saúde para que prescrevam determinados medicamentos e equipamentos.

Tais práticas não apenas elevam os custos dos planos de saúde, como também contribuem para a judicialização, uma vez que o eventual beneficiário, ao se deparar com a negativa de um procedimento prescrito, busca a intervenção do Judiciário para sua obtenção. Assim, a interação entre esses fatores cria um ciclo vicioso de litígios, prejudicando operadoras e consumidores.

Diante desse cenário desafiador, a busca por soluções estruturais é imprescindível. Algumas iniciativas já implementadas no setor público podem servir de modelo para a saúde suplementar. O Fórum Nacional de Saúde e os comitês estaduais de saúde têm se mostrado eficazes na criação de espaços de discussão e mediação entre os diversos atores envolvidos, permitindo que demandas sejam resolvidas antes de alcançar o Judiciário.

A utilização da medicina baseada em evidências também surge como uma estratégia fundamental para qualificar as decisões judiciais. A implementação de um “portal da transparência” para registrar benefícios recebidos por profissionais de saúde, bem como a análise técnica da pertinência de tratamentos pleiteados, pode auxiliar na redução de litígios baseados em prescrições de duvidosa credibilidade.

Sobretudo, o fortalecimento de mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, como a mediação e a conciliação, representa uma alternativa viável para evitar o acirramento da litigiosidade. Nesse sentido, a atuação das agências reguladoras deve ser revisitada, de modo a torná-las instâncias proativas na redução do contencioso.

Nesse particular, a atuação de escritórios especializados em suporte jurídico estratégico para operadoras de saúde suplementar é um diferencial digno de registro. Além da representação em litígios judiciais e administrativos, escritórios qualificados desempenham papel fundamental na garantia da conformidade regulatória, na segurança contratual e na oferta de previsibilidade econômica para as operadoras.

A recente decisão do TJ/MG, no âmbito do IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas relativo ao Tema 91, estabeleceu que o interesse de agir nas demandas consumeristas de natureza prestacional depende da comprovação de tentativa prévia de solução extrajudicial da controvérsia. Esse entendimento reforça a necessidade de atuação preventiva dos escritórios de advocacia, auxiliando as operadoras na criação de mecanismos eficazes de atendimento ao consumidor, visando reduzir o passivo judicial.

A implementação de estratégias jurídicas baseadas no citado IRDR possibilita às operadoras maior segurança no tratamento de demandas e na definição de critérios claros para a negativa de procedimentos que não estejam em conformidade com as diretrizes da ANS, com reflexos diretos no menor risco de condenações e na maior previsibilidade da gestão financeira.

Acrescente-se que o suporte jurídico especializado permite às operadoras adequar seus contratos e regulamentos internos às constantes mudanças legislativas e jurisprudenciais, garantindo que seus modelos de negócio estejam alinhados às melhores práticas do setor. A assessoria estratégica também viabiliza o desenvolvimento de protocolos internos para facilitar a comprovação do atendimento prévio das reclamações administrativas, minimizando riscos processuais.

Vejo que a parceria entre operadoras e escritórios com atuação dedicada ao setor de saúde contribui para um modelo de atuação que harmoniza os interesses dos consumidores e dos agentes econômicos, promovendo o equilíbrio financeiro do setor e a mitigação da litigiosidade abusiva. Com essa abordagem, é possível edificar um ambiente mais seguro e eficiente para a saúde suplementar no Brasil.

A judicialização da saúde suplementar, portanto, é um desafio complexo que exige soluções sistêmicas e racionais. A sustentabilidade do setor depende da implementação de políticas públicas que promovam o equilíbrio entre os direitos dos consumidores e a viabilidade econômica das operadoras.

Não se deve ignorar que a crescente judicialização da saúde suplementar no Brasil gera, igualmente, impactos significativos para o sistema de justiça e para a economia do país, fragilizando, por conseguinte, as premissas de equidade e eficiência na distribuição dos serviços de saúde no país.

É cediço que a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar desempenha um papel fundamental na regulação do setor e na prevenção de litígios. No entanto, é necessário aprimorar os mecanismos de regulação para proporcionar maior segurança jurídica e previsibilidade para beneficiários e operadoras. Uma das principais questões que impulsionam a judicialização é a interpretação do rol de procedimentos da ANS, que define os serviços mínimos obrigatoriamente cobertos pelos planos de saúde.

Para minimizar conflitos, é essencial que a ANS estabeleça critérios mais objetivos e transparentes na inclusão e revisão de procedimentos no rol de cobertura. Além disso, a criação de mecanismos de revisão periódica e dinâmica, com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil, pode evitar interpretações divergentes e reduzir a necessidade de ações judiciais.

A mediação e a arbitragem, por sua vez, são instrumentos eficazes para resolver disputas sem a necessidade de intervenção do Judiciário. No Brasil, algumas operadoras de planos de saúde já adotam esses mecanismos, mas ainda de forma limitada. Para que a resolução extrajudicial seja amplamente utilizada, é necessário que a ANS e o Poder Judiciário incentivem sua adoção por meio de normativas específicas.

A criação de câmaras técnicas de mediação, compostas por profissionais especializados em Saúde e Direito, pode oferecer soluções mais rápidas e eficientes para os beneficiários. Essas câmaras poderiam atuar em parceria com órgãos de defesa do consumidor e com as instâncias estaduais do Ministério Público, garantindo um atendimento mais ágil e acessível.

A aplicação da tecnologia à gestão das demandas judiciais, desde a automação de processos à utilização de inteligência artificial, também rende importante auxílio à prevenção e contenção de conflitos no setor de saúde suplementar. Com efeito, ferramentas de análise preditiva são capazes de identificar padrões de reclamações e antecipar soluções para problemas recorrentes.

Outra contribuição qualificada ao monitoramento dos índices de judicialização e à resolução das demandas está relacionada à criação de plataforma digital integrada, que conecte operadoras, beneficiários, ANS e Judiciário. A plataforma prezaria pela transparência e pela aferição da conformidade dos benefícios pleiteados, antes da sua submissão ao Judiciário, como instrumento equivalente a uma “segunda opinião” médica automatizada.

Um dos desafios da saúde suplementar é a falta de informação dos beneficiários sobre seus direitos e deveres. Muitas demandas judiciais podem ser evitadas com a adoção de critérios que promovam maior clareza sobre as regras de cobertura, reajustes e condições contratuais. Campanhas educativas promovidas pela ANS, associações de consumidores e pelo próprio setor podem contribuir, efetivamente, para a redução da litigiosidade.

Além disso, a capacitação dos magistrados sobre questões técnicas relacionadas à saúde suplementar é fundamental para que as decisões judiciais sejam fundamentadas de forma coerente com a realidade da saúde no Brasil.

Note-se que a judicialização observada em números crescentes na área da saúde é uma prática comum entre cidadãos com melhor condição econômica,4 o que desafia a lógica da universalização do acesso ao Judiciário que, a rigor, encontra-se ocupado por demandas deflagradas por parcela reduzida da população.

Para que a saúde suplementar seja viável a longo prazo, urge uma revisão profunda das causas que atormentam o setor, a partir de uma visão sistêmica e do reforço do elo entre os segmentos público e privado. Atualmente, não há evidências de uma integração formal e abrangente entre as plataformas de telessaúde do SUS e as operadoras de planos de saúde no Brasil.

Embora o SUS apresente iniciativas próprias, como o Programa Telessaúde Brasil Redes, que visa apoiar as equipes de atenção básica por meio de teleconsultorias e educação permanente,5 a sustentabilidade dessas ações é gravemente prejudicada pela ausência de mecanismos válidos de integração com o setor privado.

Durante a pandemia de covid-19, foi possível assistir a tímida aceleração na transformação digital da saúde.6 Entretanto, persiste a carência de uma integração entre as plataformas de telessaúde do SUS e as das operadoras privadas, que poderia otimizar recursos e evitar a sobrecarga do sistema público.

Conclui-se que a resposta à judicialização da saúde suplementar exige soluções articuladas e inovadoras. O fortalecimento da regulação na definição bem delineada dos direitos e deveres dos beneficiários, a ampliação dos mecanismos extrajudiciais especializados na resolução de litígios na área de saúde, o uso da tecnologia em prol da transparência e da verificação da consistência das reclamações são algumas medidas para reduzir a litigiosidade, mas essenciais para garantir um sistema de saúde mais eficiente e sustentável.

A construção de um novo pacto social entre beneficiários, operadoras, Poder Judiciário e órgão regulador é a única equação apta a equilibrar direitos individuais e coletivos, assegurando que a saúde suplementar atenda com qualidade e acessibilidade a milhões de brasileiros.

____________

1 SILVA, Andréa Ferreira da; MOTA, Eduardo Luiz da Costa; ARAÚJO, Francisco de Assis; MACHADO, José dos Reis; LIMA, Luciana de Oliveira; LIMA, Ricardo Alexandre de Mendonça. A judicialização na saúde suplementar: uma avaliação das ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010-2017. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. 134, p. 566-579, jul./set. 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/ 79PXPwMTb8XnzD3396jvJqk/?lang=pt. Acesso em: 19 fev. 2025.

2 O medicamento Hemgenix, utilizado no tratamento da hemofilia B, tem custo aproximado de US$ 3,5 milhões, equivalente a cerca de R$ 17,7 milhões (disponível em: https://ndmais.com.br/saude/ate-r-177-milhoes-veja-lista-dos-remedios-mais-caros-do-mundo. Acesso em: 19 fev. 2025). Além disso, o Elevidys, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar a distrofia muscular de Duchenne, pode custar até R$ 20 milhões no Brasil (disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/01/29/remedio-mais-caro-do-brasil-custa-ate-r-20-milhoes-e-nao-tem-previsao-para-chegar-ao-sus.ghtml. Acesso em: 19 fev. 2025). Esses valores ilustram os desafios enfrentados pelo sistema de saúde suplementar diante de tratamentos de alto custo.

3 Conforme relatório final de julho de 2015 do deputado federal André Fufuca (PEN-MA), emitido no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investigou a Máfia das Órteses e Próteses (disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1579578. Acesso em: 19 fev. 2025).

4 SILVA, Andréa Ferreira da; MOTA, Eduardo Luiz da Costa; ARAÚJO, Francisco de Assis; MACHADO, José dos Reis; LIMA, Luciana de Oliveira; LIMA, Ricardo Alexandre de Mendonça. Op. cit.

5 Conforme notícia disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/seidigi/sus-digital/telessaude. Acesso em: 19 fev. 2025.

6 SILVA, Adriano Massuda; MACHADO, Cristiani Vieira; ANDRADE, Gabriela Ramos de; LIMA, Luciana Dias de; ALVES, Maria Tereza. Teleassistência no Sistema Único de Saúde brasileiro: onde estamos e para onde vamos? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n.

7, p. 1783-1794, jul. 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/ WHgTDFZpBZCLk9kNrMdStbH. Acesso em: 19 fev. 2025.

Márcio Aguiar
result.titleSócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

 

Fonte: Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/425036/a-judicializacao-na-saude-suplementar-causas-e-impactos

Autor da ação e advogados são multados por litigância de má-fé contra banco

O juiz Oscar Lattuca, da 1ª Vara Cível da Regional do Méier, no Rio de Janeiro, condenou dois advogados por litigância de má-fé. Cada causídico terá de pagar R$ 25 mil por usar um processo para conseguir objetivo ilegal e alterar a verdade dos fatos.

O autor da ação ajuizada pelos advogados também foi condenado a pagar multa de R$ 10 mil ao banco e perdeu o benefício da Justiça gratuita.

O caso se deu em ação movida contra um banco, em que o autor pediu a condenação do réu “ao pagamento de uma indenização a título de repetição de indébito, ou alternativamente, a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado, com a condenação do Réu a título de danos morais”.

Ele sustentou que fez um empréstimo de R$ 1.201,42 em 2017, pagou um montante de R$ 3.044,30 e os valores continuaram sendo descontados mensalmente de sua conta. E alegou que o valor da parcela atual é de R$ 46 e que, desse modo, a dívida nunca será paga, já que a parcela serve apenas para abater os juros da dívida.

Ao analisar o caso, o juiz inicialmente negou o benefício da Justiça gratuita para o autor por entender que a ação foi ajuizada com flagrante intenção de utilizar as vias judiciais como um meio de enriquecer ilicitamente.

Ele afirmou que os autos demonstraram que o autor contratou o cartão de crédito consignado mediante convênio para consignação em folha de pagamento e assinou um contrato, cuja assinatura ele sequer questionou.

Também destacou que o autor concordou com o desconto mínimo mensal da fatura, não comprovou que tenha celebrado acordo para o pagamento da dívida em parcelas fixas e que não é crível que tenha esperado oito anos para se insurgir contra uma cobrança injusta.

“Portanto, torna-se evidente a conduta de má-fé do Autor e de seus Patronos, induzindo o Juízo em erro e alterando a realidade dos fatos para conseguirem objetivo ilegal, sob o pálio da gratuidade de justiça postulando indenização completamente incabível por danos morais e a título de repetição de indébito”, registrou.

Fonte: Conjur – https://www.conjur.com.br/2025-fev-14/juiz-multa-advogados-por-litigancia-de-ma-fe-no-rio-de-janeiro/