Novo CPC amplia possibilidade de análise de voto divergente

O Código de Processo Civil de 1973 passou, ao longo de sua vigência, por reformas pontuais, com o propósito de conferir maior efetividade ao processo. Essas alterações tópicas, no entanto, não foram consideradas pelo legislador suficientes e adequadas aos anseios sociais de celeridade e maior efetividade do processo civil. Desse modo, os clamores, tanto por parte da sociedade, como dos operadores do Direito culminaram na elaboração de um novo Código de Processo Civil, que ingressou no ordenamento jurídico através da promulgação da Lei 13.105/2015.

No curso do processo de elaboração do novo diploma processual, os juristas responsáveis pela elaboração do anteprojeto de lei tiveram especial preocupação com a matéria referente aos recursos, reputados como os prováveis responsáveis pela lentidão dos mais de 100 milhões de processos judiciais, em curso em todo o país.

E, nesse contexto, no substitutivo ao Projeto de Lei referente à reforma legislativa, aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados, foi expressamente suprimido o recurso de embargos infringentes. Não haverá mais, portanto, a partir da data de vigência do novo Código de Processo Civil, previsão dessa modalidade recursal, extirpada do diploma processual. Invocou-se que “a extinção desse recurso fundou-se na acertada percepção de que a ampliação pela quantidade de votos nunca garantiu ou garantirá a melhora da decisão.”[1]

O Código de Processo Civil de 1973, ainda vigente, contempla, em seu artigo 530 e seguintes, o recurso de embargos infringentes, cujo cabimento está previsto, nos seguintes termos: “cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória”.

O referido recurso esteve, até então, relacionado às decisões colegiadas proferidas por maioria de votos, como forma de conferir maior legitimidade à tutela jurisdicional prestada à parte vencida, em decorrência da decisão não unânime, que tenha reformado decisão de primeiro grau, conferindo oportunidade para a eventual prevalência do voto vencido, em novo julgamento colegiado, proferido por órgão distinto do mesmo tribunal.

O novo Código de Processo Civil, com vigência programada para março de 2016, não contempla, em seu rol taxativo de recursos, os embargos infringentes. Prevê, por outro lado, em seu artigo 942, uma nova técnica de complementação de julgamentos não unânimes, forjada com propósitos assemelhados aos do extinto recurso de embargos infringentes.

O artigo 942 do novo código dispõe que “quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.” Assim, “o prosseguimento do julgamento deverá garantir a possibilidade de o voto minoritário acabar preponderante, já que, em tese, poderá ser acompanhado por, no mínimo, dois outros votos.”[2]

Saliente-se que o novo diploma processual não exige, para a complementação do julgamento por julgadores adicionais, que tenha havido a reforma da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. Basta, portanto, a existência de divergência para possibilitar a inclusão, no mesmo órgão julgador, de novos magistrados, em número capaz de permitir, em tese, que o voto vencido venha a prevalecer. Ampliou-se, portanto, por esse aspecto, a possibilidade de nova apreciação de voto divergente, por órgão colegiado de segundo grau de jurisdição.

Por outro lado, os novos magistrados, que integrarão e complementarão a mesma turma julgadora — ao contrário do que ocorria nos julgamentos de embargos infringentes — não estarão, segundo a nova norma, circunscritos a julgar o caso, apenas nos limites da divergência. Como se trata da continuação do mesmo julgamento, suspenso para a convocação de julgadores adicionais, lhes será licito, por ausência de vedação legal, apreciar toda a questão em julgamento, com a mesma abrangência daqueles que, de forma não unânime, já manifestaram seus votos. Afinal, não se poderia cogitar que, em um mesmo julgamento, novos integrantes chamados a compor o mesmo órgão colegiado, só possam apreciar parte da matéria objeto, por exemplo, de recurso de apelação, que parte da turma julgadora apreciou em sua inteireza.

No parágrafo terceiro do referido artigo 942 do novo Código de Processo Civil há, ainda, previsão de que “a técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito da causa”. Assim, também ampliou-se as hipóteses de aplicação da técnica de complementação de julgamentos não unânimes, em relação às circunstâncias atuais de cabimento dos embargos infringentes.

Segundo Marinoni[3], como o novo Código de Processo Civil foi “sensível ao fato de que a ausência de unanimidade pode constituir indício da necessidade de um maior aprofundamento da discussão a respeito da questão decidida, submeteu o resultado não unânime à ampliação do debate.” E, assim, através desse novo procedimento, assegura-se maior segurança e debate a respeito do mérito da controvérsia, a respeito de decisões que não atingiram votações unânimes.

A técnica de complementação de julgamentos não unânimes não resulta em novo recurso do mesmo recurso, nem impõe a realização de novo julgamento, mas, tão-somente, a ampliação do debate, no âmbito, saliente-se, do mesmo julgamento, que será suspenso e posteriormente reiniciado, com maior número de julgadores integrando o mesmo órgão colegiado que havia chegado a decisão não unânime.

Não se justifica o entendimento, já manifestado por ilustres processualistas, de que o novo sistema configuraria, na verdade, um novo julgamento, e não apenas de prosseguimento do anterior, já iniciado. Afinal, a redação do dispositivo legal não autoriza cogitar-se de um novo julgamento, porque não instituiu uma nova modalidade recursal, dependente da voluntariedade da parte vencida. Contemplou, na verdade, apenas a complementação do julgamento não unânime de um mesmo recurso ou ação rescisória, independentemente da provocação da parte interessada e da apresentação de novas razões recursais.

Não há, ademais, restrição de matéria, como no caso dos extintos embargos infringentes, cujo cabimento estava restrito às divergências de mérito. A complementação do julgamento, no caso de apelações e ações rescisórias, faz-se impositiva, ainda que a divergência não tenha por objeto tema afeto ao mérito da causa. Por conseguinte, decisões não unânimes, eminentemente processuais, também estarão sujeitas à técnica de ampliação do julgamento. Afirmar-se o contrário seria atribuir interpretação ampliativa a norma restritiva de direitos adjetivos.

Com relação aos agravos de instrumento, havendo voto divergente, só estarão sujeitos à apreciação por membros complementares da turma julgadora, se o voto vencido versar sobre tema relacionado ao mérito da causa. Justifica-se essa restrição de cabimento, pelas peculiaridades e limitações do âmbito dos julgamentos dessa modalidade recursal, restrita, via de regra, a impugnar decisões interlocutórias. Já no caso da ação rescisória, a complementação do julgamento só será aplicável, se a decisão não unânime houver rescindido a decisão transitada em julgado. Se se tratar de julgamento não unânime em ação rescisória, o julgamento, da própria demanda rescisória, será redirecionado ao órgão de maior composição previsto no regimento interno do respectivo tribunal.

O prosseguimento do julgamento com maior número de magistrados, por não configurar “novo julgamento”, poderá ocorrer na mesma sessão, caso o órgão colegiado já esteja composto por número suficiente de julgadores; ou, em futura sessão de julgamento, após nova inclusão do feito em pauta, indispensável, tendo em vista a possibilidade de as partes realizarem novas sustentações orais. Saliente-se que, por não configurar, a nosso ver, novo julgamento, mas mera continuação do julgamento anterior, já iniciado, eventualmente, em outra sessão, os julgadores que já tenham proferido seus votos terão a possibilidade de alterá-los, mudando de orientação, conforme dispõe o art. 942, § 2º, do novo Código de Processo Civil.

Lanes[4] alerta ser conveniente que os julgadores originários possam alterar seus votos antes do momento de votarem os novos integrantes do colegiado, mas logo após as sustentações orais das partes ou de terceiros. Isso porque “poderá ocorrer de um ponto que era unânime acabar divergente, quando então, se tornará imperativa a apreciação, no particular, dos julgadores convocados.” Parte o ilustre doutrinador, portanto, da premissa de que os novos julgadores teriam seu âmbito de julgamento limitado ao tema divergente. Essa era, de fato, a sistemática dos embargos infringentes, extintos pelo novo diploma legal. Mas esse requisito não consta do artigo 942 do Novo Código de Processo Civil, que criou procedimento distinto e inovador, que não se confunde com os embargos de divergência, eliminados do ordenamento. Na visão do mesmo autor, “a própria continuação da sessão de prosseguimento pode ser afetada, quando, por exemplo, a divergência desaparece antes da participação dos desembargadores chamados.” Nessa circunstância, no entanto, reiniciado o julgamento, perante a nova composição ampliada do mesmo órgão, não se poderia cogitar, com a devida vênia, de alteração do quorum votante, no seu curso, sem afrontar o principio constitucional do devido processo legal e da segurança jurídica, em sua vertente processual.

Não obstante, a técnica de complementação de julgamentos não unânimes não será aplicável ao julgamento do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas, da remessa necessária e no julgamento não unânime proferido nos Tribunais pelo plenário ou pela corte especial, por expressa vedação legal.

O novo Código de Processo Civil entrará em vigor em 2016, contendo, dentre numerosas inovações, a técnica de complementação de julgamentos não unânimes. Desse modo, nos cabe torcer para que o instituto seja adequadamente aplicado, e que atinja os propósitos almejados pelo legislador. Nesse contexto, espera-se cautela e colaboração por parte dos próprios julgadores, de forma a tornar o julgamento ampliado célere e dinâmico, respeitada, sempre, a liberdade dos membros do colegiado de proferir votos, sejam eles concordantes ou divergentes.

Essa é a inspiração maior do novo Código de Processo Civil, que nasce calcado no Princípio da Cooperação (artigo 6º, novo CPC), ao dispor que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. No caso dessa nova técnica de julgamento, caberá ao julgador do órgão colegiado, o grande artífice da aplicação prática desse novo sistema, conceder efetividade e segurança, de modo a torná-la instrumento útil ao jurisdicionado nesses novos tempos que se iniciam para o processual civil no Brasil.


[1] LANES, Júlio Cesar Goulart. “A sistemática decorrente de julgamentos não unânimes”, Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Wambier, Teresa Arruda Alvim et ali (coord.). São Paulo: Ed. RT, 2015.

[2] LANES, Júlio Cesar Goulart. “A sistemática decorrente…, cit.

[3] MARONINI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015.

[4] LANES, Júlio Cesar Goulart. “A sistemática decorrente…, cit.

 Fonte:Conjur 

Cobrança de comissão de corretagem de consumidor é abusiva

A juíza de Direito Ana Lia Beall, da 3ª vara Cível de Sumaré/SP, declarou abusiva cláusula contratual que prevê o pagamento pelo consumidor da comissão de corretagem e assessoria imobiliária, bem como as cobranças por taxas condominiais e serviço de água e esgoto antes da entrega das chaves.

Assim, a juíza de Direito Ana Lia Beall, da 3ª vara Cível de Sumaré/SP, determinou que uma construtora restitua o consumidor, entendendo que “houve o acréscimo ao valor do imóvel com o pagamento das taxas“.

Segundo o autor, do valor total de R$ 134 mil pago pelo empreendimento foi exigida a quantia de R$ 6 mil a ser repassada para os corretores de imóvel. Além disso, teve que arcar com despesas de condomínio e água anteriores à entrega das chaves no valor de R$ 1,5 mil.

Na decisão, a juíza observou que “o contrato de corretagem é formado unicamente pelo comitente e pelo corretor. De tal relação jurídica não participa, consequentemente, a contraparte contratante do negócio principal. O comitente (aquele que contrata os serviços de intermediação) deve efetuar o pagamento desses serviços, salvo estipulação em contrário entre as partes“.

Com relação às cobranças por taxas condominiais e serviço de água e esgoto, a magistrada entendeu que “caracteriza manifesto enriquecimento sem causa“.

O advogado Sidval Alves de Oliveira Junior atuou no caso em defesa do consumidor.

Fonte:Migalhas 

Exercício da advocacia e a nova regulação europeia

Em 20 de maio de 2015, o Parlamento Europeu aprovou a 4ª Diretiva relativa à prevenção da lavagem de capitais (Diretiva UE 2015/849). Os Estados-Membros têm até o dia 26 de junho de 2017 para a implementação das medidas.

A Diretiva reforça todos os âmbitos das medidas preventivas antilavagem: a inclusão de novos obrigados como os consultores tributários, a inclusão expressa do crime tributário como antecedente da lavagem, exigência de identificação e registro dos beneficiários finais de sociedade, trusts, fundações e estruturas análogas[1], medidas especiais com relação a pessoas politicamente expostas e pessoas a elas relacionadas, dentre outras. O Anexo III chega a oferecer uma lista não exaustiva de fatores e tipos de risco elevado da qual constam, por exemplo, pessoas coletivas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, que sejam estruturas de detenção de ativos pessoais, sociedades com acionistas fiduciários ou ações ao portador, private banking, países identificados por fontes idôneas como estando caracterizados por níveis consideráveis de corrupção ou outra atividade criminosa.

Sob o ponto de vista do exercício da advocacia e seus pontos de contato com o tema da lavagem, a Diretiva amplia ainda mais o âmbito dos prestadores de serviços jurídicos sujeitos às medidas de prevenção e acolhe algumas regras que já tinham sido implementadas na regulação doméstica de alguns países da UE.[2]

Ela impõe aos membros de profissões jurídicas independentes, quando participarem em operações financeiras ou societárias, mas, especialmente, quando prestarem serviços de consultoria fiscal (artigo 2º, 3, a), que se submetam às medidas de prevenção à lavagem: identificação do cliente, manutenção de registros e comunicação de operações suspeitas.

A isenção da obrigação de comunicação — mas não das demais medidas preventivas — está prevista para as informações que esses profissionais recebam antes, durante ou após um processo judicial, ou durante a apreciação da situação jurídica de um cliente, isenção esta já prevista nas diretivas anteriores e objeto da célebre decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Michaud x France. A consultoria jurídica continua a estar sujeita ao segredo profissional, salvo quando o profissional participar de atividades de lavagem, prestar consultoria para tal finalidade ou souber que o cliente solicita seus serviços justamente para tais efeitos.

Junto com a referência expressa aos consultores tributários, a Diretiva se refere expressamente aos crimes tributários como “atividade criminosa” para fim de lavagem de capitais. Como no âmbito da UE a definição dessa modalidade de crime tem de atender às particularidades locais, já que a competência para definir crimes e cominar penas mantém-se com os Estados-Membros, a Diretiva aponta as infrações de natureza tributária que deverão ser consideradas “atividade criminosa”, cujo produto pode ser objeto de lavagem, ou, crimes fiscais relacionados a impostos diretos e indiretos que sejam puníveis com pena ou medida de segurança privativa de liberdade de duração máxima superior a um ano ou pena mínima superior a seis meses.

A inclusão expressa dos consultores tributários no rol das pessoas obrigadas, juntamente com a determinação de harmonização no sentido da inclusão do crime fiscal como antecedente da lavagem,[3] torna o ambiente de prestação de serviços jurídicos em “operações” extremamente delicado. Muitas vezes, o juízo acerca da suspeita de prática de um crime tributário é particularmente sofisticado e/ou sujeito ao acesso a informações sigilosas, às quais não têm acesso sequer os profissionais jurídicos. Some-se a isso que, no âmbito da UE, não se permite às pessoas obrigadas a conclusão da operação suspeita[4] — como se permite no Brasil, a meu ver de forma mais sábia e eficiente — para sua posterior análise e comunicação, o que exige do profissional, muitas vezes, grande rapidez na formação de um juízo acerca da suspeição da operação, o que pode levar a açodamento.

O artigo 34 prevê que os Estados-Membros podem estabelecer duas limitações ao dever de comunicação de operações suspeitas no que diz respeito aos consultores fiscais e membros de profissões jurídicas independentes: de um lado, esses profissionais estão isentos dessa obrigação sempre que as informações recebidas do cliente ou sobre o cliente o tenham sido no decurso de apreciação de sua situação jurídica ou na defesa desse cliente em processos judiciais ou a respeito de processos judiciais, abarcando, inclusive, aconselhamento sobre como instaurar ou evitar tais processos, e independentemente de a informação ter sido obtida antes, durante ou depois do processo; de outro, o direito local poderá designar um organismo de autorregulação da profissão como autoridade competente para receber as comunicações de operações suspeitas, em substituição à unidade de inteligência financeira nacional.[5]

Goste-se ou não, a Diretiva é mera continuidade de um caminho já iniciado (pelo menos) em 2003, quando o GAFI-FATF apontou os legal professionalscomo possíveis gate keepers e recomendou sua submissão às medidas de prevenção à lavagem quando atuassem na prestação de serviços em determinadas operações. A medida se refletiu na Terceira Diretiva Europeia, motivou a edição, pela American Bar Association, do Voluntary Good Practice Guidance for Lawyers to Detect and Combat Money Laundering and Terrorist Financing (2010), e, mais recentemente, a edição do A lawyer’s guide to detecting and preventing money laundering pela International Bar Association em conjunto com o Council of Bars and Law Societies of Europe(novembro de 2014).

Como afirmei aqui na ConJur em outra oportunidade, na honrosa companhia de Luiz Armando Badin, Pierpaolo Cruz Bottini e Celso Vilardi e antes mesmo da aprovação desta 4a Diretiva, uma regulamentação nacional seria muito-vinda para proteger os advogados, especialmente os de operações.[6] Naquela época, já nos assustava o crescimento do número de profissionais investigados/acusados por lavagem de capitais ao prestarem serviços jurídicos,[7] as denúncias e fatos recentemente ocorridos no âmbito de famosas “operações” federais deflagradas desde 2014 reforçam a nossa preocupação e evidenciam a atualidade da nova diretiva europeia.


1 De acordo com a nova Diretiva, os administradores fiduciários (trustees) de fundos fiduciários deverão obter, conservar e fornecer informações sobre os beneficiários efetivos às entidades obrigadas que tomem medidas de diligência quanto à clientela, a comunicar essas informações a um registo central ou a uma base de dados central e a declarar o seu estatuto às entidades obrigadas. As pessoas coletivas tais como fundações e os centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica similares a fundos fiduciários (trusts) estarão sujeitos a requisitos equivalentes.

2 Para maiores detalhes, cf.: ESTELLITA, Heloisa (org.). Exercício da advocacia e lavagem de capitais: advogados como sujeitos obrigados e como acusados pela prática de lavagem de capitais. FGV: São Paulo, 2015 (no prelo).

3 Alguns países europeus ainda não incluíram o crime tributário como antecedente da lavagem, como ocorre na Alemanha, por exemplo (cf. § 261 StGB). No Brasil, a reforma feita em 2012 na Lei n. 9.613/98 aboliu o rol taxativo de crimes antecedentes, com o que valores oriundos de quaisquer infrações penais podem ser objeto do crime previsto em seu artigo 1o.

4 A nova Diretiva relativiza parcialmente, pela primeira vez, essa regra ao dispor que caso a abstenção da operação seja impossível ou suscetível de comprometer os esforços para atuar contra os beneficiários, as pessoas obrigadas podem executar a operação e informar imediatamente a autoridade competente (art. 35o, 2).

5 É o que já tinha sido feito em Portugal (cf. ESTELLITA, Heloisa (org.).Exercício da advocacia e lavagem de capitais: advogados como sujeitos obrigados e como acusados pela prática de lavagem de capitais. FGV: São Paulo, 2015 (no prelo)).

6 http://www.conjur.com.br/2014-jul-03/advocacia-lavagem-preciso-desfazer-alguns-mal-entendidos

7 Cf. estudo de casos concretos em ESTELLITA, Heloisa (org.). Exercício da advocacia e lavagem de capitais: advogados como sujeitos obrigados e como acusados pela prática de lavagem de capitais. FGV: São Paulo, 2015 (no prelo).

 Fonte: Conjur 

No rompimento de leasing, arrendador deve ter assegurado retorno do valor investido

“Havendo o rompimento do vínculo contratual sem a reintegração dos bens arrendados ou mostrando-se insignificante o valor de venda do bem depreciado, deve ser assegurada à sociedade de arrendamento mercantil importância que lhe assegure a recuperação do valor do bem arrendado e o legítimo retorno do investimento realizado.”

Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso contra decisão que, no rompimento de contrato de arrendamento mercantil com a devolução de alguns bens arrendados, considerou o valor de todas as parcelas contratualmente previstas para o cálculo da indenização por perdas e danos.

O caso aconteceu no Paraná e envolveu o arrendamento de 36 automóveis. Três meses após o arrendatário deixar de pagar as prestações do contrato de leasing, foi ajuizada ação de reintegração de posse cumulada com perdas e danos.

Estado deplorável

Da propositura da ação à citação, passaram-se 15 anos. O arrendatário alegou prescrição ao fundamento de que essa demora teria decorrido da inércia da empresa de leasing,mas o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) rejeitou o pedido.

Segundo o acórdão, a demora da citação se deu pela conduta do próprio arrendatário, que teria se esforçado para evitar a citação judicial. Além disso, o TJPR, observando que os bens recuperados encontravam-se em deplorável estado de conservação e que foram quitadas apenas oito das 24 prestações contratuais, condenou o arrendatário a pagar perdas e danos no valor das parcelas vencidas e não pagas e das vincendas.

Contra a decisão, foi interposto recurso especial. O arrendatário alegou que não poderia ser condenado ao pagamento de todas essas parcelas, uma vez que foram reintegrados 24 dos 36 veículos arrendados.

O relator, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que o STJ tem o entendimento de que o valor de venda dos bens reintegrados compõe o cálculo da diferença a ser apurada nos casos de rompimento do contrato por inadimplência, mas levou em consideração a conclusão do TJPR sobre o estado em que se encontravam tais bens – questão que não pode ser reavaliada em recurso especial por exigir exame de provas.

Retorno financeiro

“Diante da irrelevância dos valores dos bens reintegrados, adequada a compreensão do tribunal de origem ao fixar a indenização por perdas e danos da forma estabelecida no contrato, quer dizer, pelo vencimento antecipado das obrigações pactuadas, deduzido o valor residual garantido (VRG) pago”, afirmou o ministro.

Segundo ele, essa decisão está em conformidade com a orientação firmada pelo STJ no REsp 1.099.212, no qual ficou consignado, sob o regime dos recursos repetitivos, que deve ser assegurado à arrendadora o montante suficiente para que recupere o valor do bem arrendado e obtenha o retorno financeiro do investimento.

Fonte: STJ

Juros remuneratórios sobre expurgos de poupança incidem até encerramento da conta

Os juros remuneratórios devidos aos poupadores que sofreram expurgos em suas cadernetas quando da edição dos planos econômicos incidem até a data de encerramento da conta. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial interposto pelo Banco Itaú contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS). A sessão foi no último dia 4.

A controvérsia surgiu na fase de cumprimento individual de sentença coletiva em que o banco foi condenado a devolver os valores de correção monetária expurgados nos Planos Bresser (1987) e Verão (1989).

O TJMS entendeu que os juros remuneratórios – de 0,5% ao mês sobre as diferenças expurgadas – deveriam ser calculados até a data do efetivo pagamento da dívida pela instituição financeira. No recurso ao STJ, o banco pediu a reforma da decisão alegando que esses juros deveriam ser calculados até a data de encerramento da conta, uma vez que estariam atrelados ao contrato de depósito.

Para o Itaú, “se a conta de poupança apresentar saldo zero, ou seja, o poupador sacar todo o valor que havia depositado, não há mais depósito. Não há mais contrato de depósito”.

Sem justificativa

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou pelo provimento do recurso. Segundo ele, o artigo 627 do Código Civil permite concluir que a retirada de toda a quantia que estiver depositada ou o pedido feito pelo depositante para que a conta bancária seja encerrada leva à extinção do contrato firmado entre o poupador e o banco.

“Se o capital não está mais à disposição da instituição bancária, situação que implica a extinção do contrato de depósito, não há qualquer justificativa para a incidência dos juros remuneratórios, pois o poupador/depositante não estará mais privado da utilização do dinheiro e o banco não estará fazendo uso de capital alheio”, disse o ministro.

Ele observou que, em caso julgado recentemente, a Terceira Turma decidiu no mesmo sentido (REsp 1.505.007).

Salomão ressalvou ainda que cabe ao banco a comprovação da data de encerramento da conta de poupança pela retirada do valor depositado. Para as situações nas quais a instituição não demonstre a data de extinção da conta, a solução encontrada pelo relator foi adotar a data da citação ocorrida nos autos da ação civil pública como o termo final dos juros remuneratórios.

Segundo o ministro, essa solução impede que exista a incidência de juros remuneratórios e moratórios dentro de um mesmo período e confirma o entendimento da Corte Especial no REsp 1.361.800, sob o rito dos repetitivos. Ficou estabelecido naquele julgamento que os juros de mora incidem a partir da citação do devedor na fase de conhecimento da ação civil pública, quando esta se fundar em responsabilidade contratual, desde que não haja configuração da mora em momento anterior.

 Fonte:STJ

Liquidação de plano de previdência encerra fluência de juros contra administradora

No caso de liquidação extrajudicial de plano de previdência privada complementar, os juros de mora contra a administradora correm apenas até a data da liquidação — da mesma forma como ocorreria se a liquidação atingisse a própria entidade previdenciária. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A tese foi discutida em recurso apresentado por funcionário da Varig que aderiu a um plano de previdência complementar administrado pela Aerus. Algumas modificações foram feitas no plano de modo a alterar o regime de contribuição do segurado e a contribuição da Varig, que poderia chegar a zero, conforme as novas regras, em razão da crise enfrentada pela companhia aérea.

Em decorrência disso, o funcionário optou por desligar-se do plano e resgatar a quantia já aplicada. Entretanto, a Aerus afirmou que o resgate só seria possível se houvesse rompimento do vínculo empregatício do segurado com a Varig. No ano seguinte, o plano entrou em liquidação extrajudicial.

A Aerus foi condenada em primeira instância a restituir as contribuições pagas com correção monetária a contar de cada desembolso e juros de mora a partir da citação. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que os juros corressem apenas até a data da entrada do plano em liquidação. No STJ, o funcionário argumentou que seria cabível a fluência dos juros durante a liquidação.

Analogia
Entretanto, de acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso, o artigo 49, inciso IV, da Lei Complementar 109/01 prevê expressamente a cessação da fluência dos juros de mora no caso de liquidação da entidade privada de previdência complementar.

Embora essa disposição legal trate da liquidação de entidade previdenciária e o caso em julgamento diga respeito apenas à liquidação de um dos planos de previdência complementar administrados pela Aerus, Sanseverino entendeu que a legislação é aplicável.

Ele lembrou que a lei faz “nítida diferença entre o plano de previdência e a entidade de previdência”, mas observou que, segundo a doutrina, “o fundamento para a cessação da fluência dos juros de mora é indiferente à liquidação de um plano individual ou da entidade privada de previdência complementar como um todo”.

Para o ministro, “nada obsta que se aplique, por analogia, o disposto no artigo 49, inciso IV, para entender que os juros de mora também param de fluir na hipótese de liquidação do plano, não da entidade privada de previdência complementar”.

Fonte:Conjur

INSS é condenado a pagar honorários contratuais da parte contrária

Para o juiz federal Tiago Bitencourt de David, a parte vencedora de um processo não pode receber menos do que lhe é devido, e o derrotado no litígio deve pagar exatamente o que deve. Com esse entendimento, o julgador obrigou o Instituto Nacional do Seguro Social a pagar os honorários contratuais, além dos sucumbenciais, de um advogado que representou um beneficiário do órgão.

No caso, o autor da ação solicitava o reconhecimento de um período específico para transformar sua aposentadoria por tempo de contribuição em especial. A alteração foi concedida pela corte. Segundo o juiz, a decisão de obrigar o INSS a arcar com os honorários contratuais da parte contrária tem como base o artigo 389 do Código Civil.

De David explicou na decisão que o dispositivo deve ser usado para compensar a parte lesada, que contratou serviços advocatícios para fazer valer o seu direito, e educar o litigante, mostrando que a demora na prestação jurisdicional não impedirá que ele arque com suas obrigações. De acordo com o juiz, a ideia é coibir um “cenário do tipo ‘ganha, mas não leva’”.

“Por isso, impõe-se a condenação do réu ao pagamento dos 30% prometidos pela parte aos profissionais da advocacia contratados, de forma que seja reposto pelo condenado o quanto compeliu o autor a ver dispendido em razão da lide”, decidiu Tiago Bitencourt.

Em sua argumentação, o juiz também apontou diversos precedentes por meio de decisões do Superior Tribunal de Justiça. Em uma das citações, consta o voto da ministra Nancy Andrighi, que destacou o fato de como “o princípio da restituição integral se entrelaça com os princípios da equidade, da justiça e, consequentemente, com o princípio da dignidade da pessoa humana”.

Por fim, Tiago Bitencourt criticou o excesso de processos na Justiça brasileira, lembrando que há uma ação para cada duas pessoas, e afirmou que o fato de alguém ser condenado e pagar menos do que a outra parte realmente gastou ajuda na “litigância excessiva”. “A condenação ao pagamento da quantia real inibe a torpe conduta de simplesmente dar de ombros e deixar que o prejudicado busque a satisfação de seus direitos em juízo”, disse.

“Os maiores litigantes são o próprio Estado e o setor bancário, muito interessados em rolar as dívidas para frente em detrimento do cidadão/contribuinte/consumidor. Assim, o mínimo que se impõe é devolver aos devedores o ônus financeiro que tem sido suportado candidamente pelos credores que não raro passam uma vida inteira esperando para receber e, quando isso ocorre, não é justo que seja apenas 70% do que lhes é devido”, finalizou.

Fonte:Conjur 

Sigilo empresarial justifica segredo de justiça em ação de honorários

A publicidade dos atos processuais pode ser restringida quando isso for necessário para a preservação de interesses fundamentais, como, por exemplo, no caso de sigilo indispensável ao exercício profissional. Seguindo esse entendimento, apresentado pelo ministro Raul Araújo, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que  é possível decretar segredo de Justiça em ação de arbitramento e cobrança de honorários advocatícios, a pedido dos réus, para preservar informações sobre negócio firmado com terceiros.

Os réus pediram a decretação do segredo argumentando que pretendiam juntar, em sua defesa, contrato de cessão de créditos firmado com outra empresa e dotado de cláusula de confidencialidade.

Em seu voto, que foi seguido por unanimidade, o relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, considerou que os motivos apresentados pelos recorrentes referem-se a necessidade inerente ao exercício profissional — a atividade bancária — e justificam o processamento da ação sob segredo.

A ação foi proposta por um advogado contra o banco Banestado, a Banestado Leasing e o Itaú (que adquiriu o grupo Banestado) para cobrar honorários relativos a 489 processos judiciais por ele patrocinados, cujos créditos foram cedidos à Rio Paraná Companhia Securitizadora.

As instituições bancárias, antes mesmo da apresentação de defesa, pediram a decretação do segredo de Justiça, a fim de que pudessem juntar aos autos cópia do contrato de cessão de créditos. Segundo elas, o segredo seria necessário para manter em caráter confidencial os valores de milhares de créditos cedidos e também sua estratégia de atuação na cobrança de dívidas bancárias.

O juízo de primeiro grau negou o pedido, por entender que a publicidade é princípio básico do processo civil e que o simples ajuste do dever de confidencialidade entre as partes não autoriza estender essa disposição à atividade jurisdicional. O Tribunal de Justiça do Paraná negou provimento ao recurso dos bancos.

No STJ, o ministro Raul Araújo afirmou que as hipóteses de interesse público ou de preservação da intimidade em casos de família, previstas no artigo 155 do Código de Processo Civil, não são as únicas que autorizam a decretação de segredo no processo, conforme decidiu o STJ no REsp 605.687.

O ministro concluiu que o sigilo também pode ser decretado quando necessário à preservação de outros interesses fundamentais, como, por exemplo, no caso de sigilo indispensável ao exercício profissional. De acordo com Raul Araújo, a atividade bancária é normalmente exercida em caráter sigiloso, de modo que “a decretação do sigilo com relação ao conteúdo dos documentos e dados confidenciais mencionados faz-se necessária e não causa relevante prejuízo ao interesse público”.

Ainda assim, continuou o ministro, não seria suficiente manter sigilo sobre esses documentos e deixar o restante do processo sob publicidade, “pois é certo que dados e informações serão extraídos daquelas peças sigilosas para uso em argumentações e debates nos autos”.

Na avaliação do relator, a juntada do contrato sem a decretação de segredo poderia afetar a intimidade e a segurança negocial das pessoas envolvidas nos créditos cedidos, além de expor técnicas de expertise e know how desenvolvidos pelas partes contratantes, com eventual prejuízo para suas condições de competitividade no mercado financeiro.

O caso, concluiu Raul Araújo, também configura hipótese de proteção de segredo comercial, tratada pelo artigo 206 da Lei 9.279/96, que admite o sigilo processual em tais situações. Com esses fundamentos, a turma acompanhou o voto do relator para dar provimento ao recurso dos bancos.Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Fonte: Conjur

Advogado é condenado por se apropriar de valores do cliente

A juíza de Direito Placidina Pires, da 10ª vara Criminal de Goiânia/GO, condenou um advogado por apropriar-se de quantia ganha por cliente em ação judicial.

O causídico, conforme consta na decisão, celebrou acordo judicial sem o consentimento do cliente, indicando conta bancária própria para depósito do valor, e após o recebimento da quantia, escondeu o fato do constituinte, “apresentando relato inverídico de que a empresa demandada havia condicionado o depósito do valor ao trânsito em julgado da sentença homologatória, ocasião em que repassou ao ofendido um adiantamento de R$5.000,00 (cinco mil reais) para pagamento de despesas urgentes”.

A pena privativa de liberdade de dois anos, dois meses e 20 dias de reclusão foi substituída por pena restritiva de direito (prestação de serviço comunitário e prestação pecuniária). Os direitos políticos do sentenciado foram suspensos pelo período de cumprimento da pena.

Retenção indevida de autos

A julgadora também considerou que houve retenção indevida do processo por parte do réu, que permaneceu com os autos por período superior a um ano, sendo necessária expedição de mandado de busca e apreensão para a devolução. Assim, proibiu o réu de ter vista dos autos fora do cartório.

A seccional da OAB e o MP/GO serão comunicados do fato para apuração da conduta do causídico.

Fonte:Migalhas

Eficiência, por si só, não basta para combater morosidade do Judiciário

Na atualidade o Judiciário se defronta com vários problemas, conforme descrevem estudos e pesquisas realizados pela Secretaria de Reforma do Judiciário (2003), pelo Banco Mundial (2004) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (2003 em diante) etc. Dentre eles, destacam-se: morosidade, burocracia, legislação processual inadequada, carência numérica de juízes e servidores, falta de transparência, judicialização excessiva, estrutura inadequada, ausência de democratização do acesso à Justiça etc.

A morosidade é apontada como o maior problema da Justiça. Ela evidenciou-se a partir do advento da Constituição Federal de 1988, que contribuiu muito para uma “explosão de litigiosidade”, ou seja, um aumento considerável da quantidade de processos. No entanto, o Judiciário não contava com uma estrutura preparada para dar conta dessa demanda de maneira célere.

Desse modo, a preocupação com o tempo de duração do processo ganhoustatus de princípio: a Emenda Constitucional 45/2004 introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º, com o seguinte teor: “LXXVIII — a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Diante desse quadro, a celeridade da prestação jurisdicional está em foco e em evidência quando se fala em gestão do Judiciário. Essa exigência embasa planejamentos estratégicos, planos de gestão, metas, produtividade, estudos, notícias, projetos etc (Resoluções 70/2009 e 198/2014 do CNJ, Resolução 313/2014 do Conselho da Justiça Federal, etc.).

Contudo, é preciso ponderar que o tempo do processo não é o tempo real da dinâmica social e da economiza globalizada (Faria, 2004), sendo necessário, no processo judicial, garantir princípios constitucionais e processuais, especialmente do contraditório e da ampla defesa, além de se atender ao requisito da fundamentação analítica das decisões judiciais (agora positivado no artigo 489, parágrafo 1º, do Novo CPC).

Nesse contexto, surge a reflexão sobre o problema da ênfase na celeridade em detrimento da qualidade das decisões judiciais. É suficiente, para se garantir a efetividade da tutela jurisdicional, que o processo tenha um curso rápido mesmo que isso possa implicar em perda da qualidade?

Para responder essa indagação cumpre analisar a diferença entre os conceitos de eficiência, eficácia e efetividade, de acordo com a moderna teoria da Administração, considerando que o Direito não se ocupa dessa distinção.

No âmbito do Direito também há o conceito de eficiência, que foi instituído como princípio na Constituição Federal de 1988, visando romper com o sistema baseado na burocracia estatal e migrar para um sistema gerencial, nos mesmos moldes das organizações privadas. A maioria da doutrina encara esse princípio como um requisito para que a Administração Pública atue com qualidade, presteza, produzindo resultados positivos (Di Pietro, 2002, p. 83).

Todavia, essa definição do princípio da eficiência tem mais pertinência com a junção dos termos “eficiência ” e “eficácia”, que resulta em “efetividade”, considerando as noções trazidas da ciência da Administração.

Peter Drucker propôs o julgamento do desempenho de um administrador através de dois critérios: eficácia — capacidade de fazer as coisas ‘certas’ — e eficiência — a capacidade de fazer as coisas ‘certo’. Segundo Drucker, a eficácia é o mais importante, pois nenhum nível de eficiência, por maior que seja, irá compensar a escolha dos objetivos errados (Stoner e Freeman, 1995. p. 136).

Segundo Chiavenato (1994, p. 70): “Eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos nesse processo. (…) A eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível (…). À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as coisas, ele está se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas bem feitas são as que realmente deveriam ser feitas, então ele está se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos através dos recursos disponíveis)” .

Com base nessas lições, quando o juiz profere uma sentença dentro do prazo legal/razoável, ele foi eficiente, pois fez “certo a coisa”. Contudo, isso basta? É suficiente cumprir prazos para que se possa falar em fazer justiça de fato? Não, é preciso também que o juiz atue com eficácia, principalmente quando se exige maior reflexão sobre o caso, fazendo “a coisa certa”, proferindo uma sentença fundamentada, adequada, justa, que analise as peculiaridades do caso concreto. Assim, o ideal é “fazer certo a coisa certa” (eficiência e eficácia reunidas).

Todavia, a ênfase exagerada na necessidade de celeridade têm produzido decisões judiciais não dotadas de eficácia do ponto de vista da produção dos resultados justos e almejados pelo autor que postula a tutela jurisdicional ou pelo réu que se defende da pretensão.

Portanto, “fazer certo a coisa certa” é fazer a sentença dentro do prazo razoável, mas fundamentada, adequada e justa, a fim de solucionar de fato a controvérsia que foi trazida à apreciação do Judiciário. Somente assim a gestão do processo judicial será focada nos resultados pretendidos pelo cliente (autor ou réu), e não apenas na eficiência, nos meios, métodos, procedimentos ou prazos.

Dessa forma, quando o Judiciário for eficiente e eficaz será alcançada a “efetividade”, que é um conceito complexo e se relaciona, principalmente, com a avaliação acerca de como, de maneira adequada, uma organização cumpre sua missão, alcança seus objetivos previamente estabelecidos e se adapta a novas e constantes mudanças no ambiente (Hannan, M.T. & Freeman, J. , 1977).

Aplicando o conceito de efetividade à gestão do Poder Judiciário e, especialmente, ao combate à morosidade, será atingida a efetividade da prestação jurisdicional na medida em que o Judiciário cumprir de fato sua missão, atingir seus objetivos e se adaptar às mudanças ocorridas na sociedade e no ambiente organizacional.

Um Poder Judiciário efetivo sem dúvida gerará a satisfação do usuário do sistema judicial (advogado, procurador, servidor etc.) ou do jurisdicionado (autor, réu ou interessado), não obstante dificilmente seja possível satisfazer ao autor e réu ao mesmo tempo, o que é uma peculiaridade da decisão judicial.

Assim, eficiência só não basta! Embora possa ser satisfeito o princípio da razoável duração do processo isso não significa que se produziu uma decisão eficaz, justa e adequada que resolve o problema, pois “uma justiça célere não é necessariamente uma justiça melhor” (Corrêa, p. 101).

Portanto, um Judiciário que desempenha suas funções com efetividade é aquele em que suas decisões observam a eficiência e são dotadas de eficácia do ponto de vista gerencial. Agindo dessa forma será possível cumprir os objetivos do Planejamento Estratégico Nacional, delineado pelo CNJ (Resolução CNJ 70/2009), que prevê como componentes, dentre outros, a “Missão — realizar justiça”, e a “Visão — ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz social”.

Fonte:Conjur