Devedor não pode resgatar quantia incontroversa depositada em juízo

O devedor que, para afastar a mora, deposita em juízo a parcela incontroversa da dívida, não tem o direito de resgatar o valor depositado caso os pedidos formulados em sua ação sejam julgados improcedentes. Com base nesse entendimento, já fixado em precedentes, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso de uma estudante universitária em demanda contra a instituição de ensino.

A decisão se deu no julgamento de recurso especial interposto em ação na qual a estudante alegava que a faculdade estaria cobrando valores indevidos. Em antecipação de tutela, conseguiu autorização para depositar a parte incontroversa das prestações enquanto se discutia judicialmente qual o valor correto. Depois de perder a ação revisional, ela tentou recuperar as parcelas depositadas.

Sem sucesso em primeiro e segundo graus, a estudante alegou perante o STJ que a credora só poderia levantar os valores depositados à disposição do juízo se os pedidos feitos na ação tivessem sido julgados procedentes. Disse ainda que, para a instituição receber o que lhe é devido, o caminho adequado seria a ação de cobrança ou a execução por quantia certa.

Efeitos

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo, citou oREsp 568.552, precedente de relatoria do ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal), em que se concluiu não ser lícito ao devedor “valer-se de consignação em pagamento para posteriormente pretender levantar a quantia que ele próprio afirmara dever”.

Sendo a consignação em pagamento forma válida de extinção da obrigação e que serve para prevenir a mora – conforme destacou Salomão –, reconhece-se que a obrigação foi em parte cumprida, o que permite ao credor o levantamento da quantia não contestada e a execução do restante que é devido, inclusive com a incidência dos juros de mora nessa parte.

Salomão ainda lembrou que, com base no artigo 337 do Código Civil, o depósito faz com que a dívida não seja mais considerada em atraso apenas nos limites da quantia depositada. Portanto, para o débito como um todo ser considerado quitado, seria necessário o depósito do valor integral da dívida.

Leia o voto do relator.

Fonte: STF

Segunda Seção sugere ao Congresso que atualize valor das indenizações do DPVAT

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sugeriu ao Congresso Nacional que elabore um projeto de lei para regular a atualização dos valores das indenizações do seguro obrigatório, o DPVAT, pago às vítimas de acidentes de trânsito e a seus familiares.

O colegiado enviou aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, cópia do processo sobre o tema e de todo o material produzido em audiência pública que discutiu a correção da tabela, a pedido do relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

A atualização da tabela, considerada necessária pelo relator, não pode ser feita a título de suprimento de lacuna pelo STJ porque o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.350, entendeu que essa alteração compete exclusivamente ao Legislativo.

Para Sanseverino, cabe ao Tribunal da Cidadania chamar a atenção “para a iniquidade que vem sendo praticada contra as vítimas de acidentes de trânsito e suas famílias, em face da ausência de previsão legal de incidência de correção monetária sobre os valores das indenizações do seguro DPVAT”.

Recurso repetitivo

Em julgamento de recurso repetitivo, que serve de orientação para todos os magistrados de primeiro e segundo graus do país, a Segunda Seção estabeleceu que as indenizações por morte ou invalidez do seguro DPVAT, quando não pagas na data certa, devem ser corrigidas monetariamente desde o evento danoso – como, aliás, já estava definido na jurisprudência do STJ.

O caso discutiu a polêmica em torno da forma de atualização monetária das indenizações previstas no artigo 3º da Lei 6.194/74, com redação dada pela Medida Provisória 340/06, convertida na Lei 11.482/07.

A lei original adotava o salário mínimo como indexador do teto da indenização. Além de contrariar disposição constitucional, a questão ganhou relevo com a política de valorização do salário mínimo, que, a partir de 2006, teve aumento muito superior à inflação. A solução veio com a MP 340, que estabeleceu valores fixos para o seguro DPVAT – o maior, de R$ 13,5 mil, para o caso morte ou invalidez permanente.

Com a conversão da medida provisória em lei, surgiu uma nova controvérsia: na falta de previsão legal, poderia haver correção monetária dos valores estabelecidos para as indenizações?

Audiência pública

O dilema foi analisado pela Segunda Seção no julgamento de um recurso da Seguradora Líder, que administra o DPVAT, contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que determinou o pagamento da indenização por morte ao pai de vítima fatal com correção monetária desde a edição da MP 340.

Ciente da polêmica e do grande interesse da sociedade acerca do tema, o relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, promoveu no início do ano uma audiência pública com representantes de diversas entidades interessadas. Os ministros tiveram a oportunidade de ouvir os argumentos contra e a favor das duas posições em debate.

Perdas

As seguradoras argumentaram que, diante do silêncio eloquente do legislador sobre a correção do DPVAT, o valor fixado para as indenizações não poderia ser corrigido pela via judicial.

Favorável à atualização dos valores, o relator afirmou que a correção monetária é um instituto tão familiar ao cotidiano econômico brasileiro que sua aplicação tornou-se regra nas relações jurídicas de direito privado e passou a ser incluída nas condenações judiciais independentemente de pedido das partes. Sua excepcional exclusão, segundo ele, deve constar expressamente na lei ou no contrato.

O ministro apontou que a indenização paga às vítimas de graves acidentes de trânsito e às suas famílias, há quase dez anos sem reajuste, acumula perda de poder aquisitivo da ordem de 63%. “Tamanha é a perda que, mesmo se admitindo um silêncio eloquente do legislador em 2007, seria possível cogitar de uma lacuna ontológica da lei, que ocorre quando a norma existe, mas não é mais adequada aos fatos sociais”, disse.

Lacuna

Para Sanseverino, o Poder Judiciário deveria preencher essa lacuna legislativa. Contudo, ele destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a alegação de inconstitucionalidade da MP 340 sob o fundamento de não haver lacuna, até porque o parágrafo 7º do artigo 5º da Lei 6.194 já previa a correção monetária do seguro, embora apenas em caso de não cumprimento do prazo para pagamento. Segundo o STF, só o Congresso pode decidir por eventual adoção de correção dos valores do DPVAT.

Assim, seguindo o entendimento do STF, a Segunda Seção definiu como tese para efeito de recurso repetitivo (tema 898) que “a incidência de atualização monetária nas indenizações por morte ou invalidez do seguro DPVAT, prevista no parágrafo 7º do artigo 5º da Lei 6.194, redação dada pela Lei 11.482, opera-se desde a data do evento danoso”.

Leia o voto do relator.

Fonte: STJ

Envio de cartão de crédito não solicitado é prática abusiva sujeita a indenização

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou na última quarta-feira (3) a Súmula 532, para estabelecer que “constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa”.

As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal. Embora não tenham efeito vinculante, servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.

Referências

A Súmula 532 tem amparo no artigo 39, III, do Código de Defesa do Consumidor, que proíbe o fornecedor de enviar produtos ou prestar serviços sem solicitação prévia.

Um dos precedentes que levaram à edição da nova súmula é oRecurso Especial 1.261.513. Naquele caso, a consumidora havia pedido um cartão de débito, mas recebeu um cartão múltiplo. O Banco Santander alegou que a função crédito estava inativa, mas isso não evitou que fosse condenado a pagar multa de R$ 158.240,00.

Para o relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, o simples envio do cartão de crédito sem pedido expresso do consumidor configura prática abusiva, independentemente de bloqueio.

Súmulas Anotadas

Na página de Súmulas Anotadas do site do STJ, o usuário pode visualizar os enunciados juntamente com trechos dos julgados que lhes deram origem, além de outros precedentes relacionados ao tema, que são disponibilizados por meio delinks.

A ferramenta criada pela Secretaria de Jurisprudência facilita o trabalho das pessoas interessadas em informações necessárias para a interpretação e a aplicação das súmulas.

Para acessar apágina, basta clicar em Jurisprudência > Súmulas Anotadas, a partir do menu principal de navegação. A pesquisa pode ser feita por ramo do direito, pelo número da súmula ou pela ferramenta de busca livre. Os últimos enunciados publicados também podem ser acessados pelo link Enunciados.

Fonte: STJ

STJ define missão, valores e objetivos estratégicos até 2020

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) realiza nesta quinta-feira (11) o lançamento oficial do Planejamento Estratégico 2015-2020. O documento contém as principais ações a serem desenvolvidas pela corte durante esses seis anos. O evento está marcado para as 16h, no auditório do STJ.

Desde 1998, o tribunal utiliza o planejamento estratégico como modelo de gestão. Em 2009, com a publicação da Resolução 70 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o trabalho foi alinhado às diretrizes nacionais estabelecidas para o Poder Judiciário.

Por meio da Resolução 198, em 2014, o CNJ aperfeiçoou essas diretrizes e instituiu a Estratégia Nacional do Poder Judiciário, com a implementação de novas diretrizes nacionais para nortear a atuação institucional dos órgãos. O planejamento estratégico 2015-2020 foi elaborado sob essa orientação, mas de acordo com a realidade do STJ.

Uma equipe composta por servidores da Assessoria de Modernização e Gestão Estratégica (AMG) e por representantes de diversas outras unidades do tribunal realizou diversas reuniões setoriais para a coleta de dados.

O documento traz conceitos, valores institucionais, indicadores e metas que deverão guiar as ações do STJ nos próximos anos. Prioridade nos processos relativos a corrupção e improbidade administrativa, redução no tempo médio entre a afetação e a publicação de acórdãos de recursos repetitivos e redução de 50% no congestionamento das demandas são alguns dos objetivos traçados.

O lançamento oficial do Planejamento Estratégico será feito pelo presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, pela vice-presidente, ministra Laurita Vaz, e pela corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi. O evento contará ainda com a presença do economista Armando Castelar, que vai ministrar a palestra O papel do Poder Judiciário no desempenho da economia brasileira. Toda programação é aberta ao público. Para participar, basta enviar e-mail para [email protected] e aguardar confirmação da inscrição.

Fonte: STJ

Profissional de qualquer área pode coordenar ações de compliance, afirma Dipp

Desde a edição do decreto que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), em março deste ano, a advocacia tem especulado sobre uma possível responsabilização na esfera penal do profissional contratado para atuar como compliance officer — ou seja: para ser o responsável pela implantação do programa de integridade nas empresas, como previsto na nova legislação. Mas para Gilson Dipp, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e especialista no assunto, toda essa discussão está fora do foco. O problema, diz ele, é que na prática, as normas não apontam qual categoria profissional deve assumir o cargo de gestor da integridade.

Um dos mentores das varas especializadas em lavagem de dinheiro, Dipp tem trabalhado em pareceres e participado de debates em todo o país sobre a Lei 12.846, que está em vigor desde agosto de 2013, assim como sobre o Decreto 8.420/2015, que a regulamentou. O ministro também é co-autor do livro Comentários à Lei Anticorrupção e seu Regulamento, que a editora Saraiva está para lançar.

Dipp aponta que programa mencionado na Lei Anticorrupção não é obrigatório.
Antônio Cruz/ABr

À revista eletrônica Consultor Jurídico, Dipp explicou que o programa de integridade mencionado na Lei Anticorrupção não é obrigatório. “A lei apenas diz que para efeito de aplicação de penas, nos casos em que forem constatadas irregularidades, será levado em consideração a existência de um programa de integridade. Claro, todo mundo vai adotá-lo. Mas reitero: a única referência que a lei faz ao programa de integridade é ‘será levado em consideração’”, afirmou Dipp, referindo-se ao comando previsto no inciso 8º do artigo 7º da legislação.

De acordo com o ministro, pelo mesmo caminho segue o Decreto 8.420/2015, que apenas detalha os parâmetros para o desenvolvimento do programa de integridade mencionado na Lei Anticorrupção como um atenuante no caso de uma eventual sanção. O artigo 41 do regulamento diz que a iniciativa “consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade”.

Nesse sentido, define como parte do pacote da integridade a produção de auditorias, a criação de canais internos para o recebimento de denúncias sobre indícios de irregularidades e a fixação de códigos de ética e de conduta. Também se destacam o estabelecimento de políticas e diretrizes que ajudem a detectar e sanar fraudes e outros ilícitos contra a administração pública, além de constantes treinamentos aos funcionários para que adotem as regras de integridade.

Mas, segundo o parágrafo único do artigo 41 decreto, todo esse programa deverá ser estruturado em acordo com as características, peculiaridades e— principalmente — o tamanho das empresas, que depois terão de continuar a trabalhar no constante aprimoramento e adaptação do programa, para que este realmente tenha efetividade.

Por fim, o artigo 42 do decreto esmiúça os parâmetros desse programa. Nesse sentido, entre diversos pontos que elenca, destaca-se a necessidade de haver o comprometimento da alta direção com a política de integridade, assim como de se estabelecer medidas disciplinares para os casos de violação do programa.

Segundo Dipp, em nenhum momento o decreto é expresso quanto a se designar um profissional específico para coordenar o programa de integridade. Mas é recomendável. Segundo o ministro, a tendencia é que, daqui para frente, as licitações promovidas pela administração pública passem a prever a existência de uma política de integridade nas empresas como um critério para a contratação. Obterá mais pontos aquele que demonstrar ter o programa mais eficiente. “Mas o gestor da integridade a ser nomeado pode ser de qualquer área: dos recursos humanos, da contabilidade, do financeiro ou do jurídico. As empresas sabem onde estão seus riscos. Então é algo que deverá ficar a critério delas”, destacou.

Penas previstas
A Lei Anticorrupção obriga as empresas a adotarem uma série de mecanismos para evitar ilícitos, inclusive o controle das ações dos seus funcionários, já que estão sujeitas a responder pela conduta deles. A criação de códigos de conduta, canais de denúncia e mesmo a nomeação de umcompliance officer ou gestor da integridade para controlar a lisura das operações, são algumas das recomendações do decreto que regulamentou a lei. É uma decisão discricionária da empresa nomear um funcionário para desempenhar tal função ou contratar um profissional de fora.

A legislação prevê sansões pesadas para a companhia que não prevenir ilícitos por parte de seus funcionários, representantes ou dirigentes. Entre elas, destacam-se multas que podem chegar até 20% do faturamento bruto, interdição temporária de atividades, pagamento da divulgação da decisão condenatória e até mesmo a dissolução da pessoa jurídica.

Fonte: Conjur

Valor incontroverso depositado por ordem judicial também entra no cálculo de honorários

Ao julgar recurso sobre honorários advocatícios, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o respectivo percentual deve incidir também sobre valores incontroversos depositados por ordem do juiz a título de tutela antecipada, e não somente sobre o valor remanescente reconhecido na condenação.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) havia decidido que não era possível que a verba incidisse sobre a quantia depositada em juízo, mas somente sobre a parte complementar fixada na sentença.

Na origem, uma empresa ingressou com ação de cobrança visando ao recebimento do seguro de R$ 1,255 milhão em razão de incêndio ocorrido em imóvel. Como a seguradora havia calculado a indenização em R$ 424 mil, foi deferido o depósito desse valor em tutela antecipada.

Ao final da instrução do processo, o juízo de primeiro grau concluiu que a quantia a receber era pouco superior a R$ 788 mil, em valores de 2008, e determinou o pagamento, descontada a antecipação. A decisão foi mantida em segunda instância.

O recurso ao STJ foi motivado em razão de os honorários de sucumbência – devidos pela seguradora ao advogado da parte vencedora – terem incidido apenas sobre o valor líquido da condenação. As instâncias ordinárias consideraram que o valor depositado em juízo, por ser incontroverso, deveria ficar fora da base de cálculo dos honorários.

Quantia total

A Terceira Turma do STJ reformou a decisão ao fundamento de que a segurada teve de ingressar com a ação não apenas para receber a diferença entre o valor devido e o valor incontroverso.

O relator do processo, ministro Marco Aurélio Bellizze, rebateu o entendimento de que o valor antecipado não faria parte da condenação.

“O fato de o valor antecipado ser considerado quantia incontroversa não basta para desobrigar a seguradora do pagamento da verba honorária sobre esse montante, afinal precisou a segurada ingressar com a demanda judicial para se ver ressarcida também desse valor, e não apenas da importância objeto de posterior ordem de pagamento por ocasião da sentença”, disse o ministro.

Bellizze afirmou que a conclusão só poderia ser diferente se a seguradora tivesse pago o valor incontroverso diretamente à segurada, pela via administrativa, ou se houvesse depositado essa quantia mediante consignação, em caso de recusa – situações em que a demanda teria sido instaurada apenas em relação ao restante da indenização.

Leia o voto do relator.

Fonte: STJ

Acordos da “lava jato” propiciaram tomografia de um suposto cartel

Dentre as infrações à ordem econômica, o cartel é a mais insidiosa, bem como a mais difícil de ser comprovada. Tanto assim que, os Estados Unidos da América, que, por tradição anglo-saxã, adota acommon law, ensinou países de direito continental a utilizar o instituto da leniência1para conseguir desvendar esse monstro que somente floresce nas sombras. O Brasil não foi exceção e o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SDE) utilizou-se, pela primeira vez, desse instituto em 2003.

Por incrível que pareça pode-se creditar à operação “lava jato” um ponto positivo, no concernente ao estudo do Direito Antitruste: uma das companhias partícipes, no âmbito de acordo de leniência, pioneiramente, autorizou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a divulgar uma versão pública do Histórico da Conduta, com 72 páginas. Embora seja um texto autêntico, elucidativo e interessante, de como os cartéis se formariam e se desenvolveriam — de grande interesse para o estudo —, é importante lembrar que não se pode tomar tal declaração, por si mesma, como prova de que tenha havido realmente cartel. Por se tratar de estratégia de defesa, ela terá de ser confrontada e sopesada com outros indícios, declarações e documentos comprobatórios, antes que possa haver um julgamento.

Consoante a delação, após a fase inicial não estruturada — por volta do ano 2000 —, as empresas participantes permanentes congregaram-se no “clube das 9” — 2003/2004 —, passando ao “clube das 16” — 2006 — e “clube VIP” — 2008/2009 — para acomodar mais empresas nas combinações. No seio desses grupos, havia uma hierarquia de facto, bem como empresas que atuavam como articuladoras. Tanto as partícipes permanentes, como as esporádicas buscavam a redução ou a supressão de competitividade nas contratações ou licitações levadas a cabo pela Petrobras, acertando-se previamente o vencedor, preços (que eram superavaliados) e condições; utilizando-se de abstenções, divisão de lotes, propostas de cobertura etc. As conversações entre os participantes faziam-se, mormente, em reuniões presenciais, com freqüências e locais identificados; mas também por telefone e SMS. As empresas definiam quem venceria determinado certame, se haveria consórcio ou não, e enviavam lista ao diretor da Área de Engenharia e ao diretor de Abastecimento da Petrobras. À guisa de comprovação, o histórico apresenta cópias de anotações manuscritas feitas durante as reuniões; anotações em iPad; extratos de conta telefônicas, comprovando contatos frequentes etc. No apêndice relativo às provas documentais da conduta, há 35 documentos. Os contatos e acordos anticompetitivos encerraram-se em inícios de 2012.

Além de elencar e qualificar as pessoas jurídicas participantes da conduta, estão assinalados os períodos em que atuaram, as pessoas físicas que as encarnavam, bem como os documentos comprobatórios. As empresas, no início, eram representadas por pessoas de seu alto escalão. A partir de 2005, por pessoas do alto escalão e do escalão operacional; e após 2008, sobretudo do escalão operacional e de níveis hierárquicos inferiores.

Há também rol dos concorrentes e dos clientes dos mercados afetados, com a respectiva qualificação. As licitações possivelmente afetadas são listadas cronologicamente.

Encontra-se descrita a maneira como o processo de contratação da Petrobras era driblado pela ação das empresas em estreita conivência com diretores da Petrobras. O cartel foi viabilizado mais facilmente em virtude da prerrogativa da diretoria finalística e da Diretoria de Serviços de convidar empresas para o certame. Os convidados eram justamente os indicados pelo “grupo” de empresas cartelizadas. Essas já haviam previamente acertado qual venceria e qual apresentaria as propostas de cobertura! O Histórico dividiu em 11 fases a descrição minuciosa da evolução do acordo entre as empresas e da dinâmica do cartel.

Por volta de 2008, com o aumento dos pacotes de obras, aperfeiçoaram-se as normas do “clube dos 16”, que tomaram a feição de regulamento de campeonato de futebol, identificando a empresa como equipe e regulamentando a representação das pessoas físicas. De tal regulamento, feito por escrito, constavam definição, objetivos e regras de competição. Por exemplo, “objetivo do campeonato”, “competição anual”, “regras da competição” e “competições passadas” eram, respectivamente: o cartel, as licitações da Petrobras, as regras do cartel e as licitações anteriores.

Segundo as informações e os documentos, há indícios de que os concorrentes acertavam o resultado das licitações, dividiam entre si as obras de montagem industrial onshore da Petrobras em território nacional, assinalando certames para cada empresa ou consórcio. Em assim sendo, ter-se-ia violado a ordem econômica por meio de “acordos de (i) fixação de preços, condições, vantagens e abstenção de participação, e, (ii) divisão de mercado entre concorrentes, em licitações públicas”.

Embora o produto da leniência deva ser visto cum grano salis, não sendo suficiente, de per si, para uma condenação, como já foi alertado acima, pode-se chegar, inobstante, a algumas observações:

A leniência que, por longo tempo, foi instituição desconhecida no direito brasileiro, demonstrou sua utilidade. Por um lado, no caso em tela, possibilitou a vinda à luz de alegados fatos e documentos, que, de outro modo, dificilmente teriam sido descobertos. Por outro, desestimula cartelizações por semear desconfiança entre os parceiros.

Conforme relata a delação, havia grande sinergia entre as empresas e as diretorias da Petrobras, não se podendo afirmar que o eventual cartel deveu-se unicamente à ação de um grupo de empresas. Daí a afirmação de que a participação de diretores da Petrobrás deve ser considerada concausa do possível cartel, sem a qual dificilmente teria tido o sucesso bilionário apontado. Tal participação, em parceria tão forte e contínua, quase institucional, poderia mesmo constituir-se em atenuante para as empresas.

Por fim, torna-se extremamente difícil, face à extensão, à duração e aos montantes envolvidos, imaginar-se que a alta direção da Petrobras e o Ministério da Minas e Energia, nunca tenham chegado a perceber a ocorrência de situação anômala digna de apuração!


1 “Acordo de leniência é a transação entre o Estado e o delator, que em troca de informações viabilizadoras da instauração, da celeridade e da melhor fundamentação do processo, possibilita um abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também participado na conduta ilegal denunciada.” Oliveira, Gesner e Rodas, João Grandino. Direito e Economia da Concorrência. 2ª edição, São Paulo. 1913. Thompson Reuters/ Revista dos Tribunais, p. 244/245.

Fonte: Conjur

BB é condenado a pagar indenização de R$ 600 mil por danos morais coletivos

As empresas devem manter o controle sobre as atitudes de seus funcionários, principalmente em relação aos que têm cargos diretivos. Assim entendeu a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao condenar, por unanimidade, o Banco do Brasil por danos morais coletivos. A decisão foi baseada nos vários casos de assédio observados dentro da instituição e manteve multa de R$ 600 mil que deve ser paga ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O processo contra o BB foi movido pelo Ministério Público do Trabalho após o recebimento de denúncia referente ao comportamento abusivo de uma gerente do banco em Brasília. Na ação, o MPT afirmou que o problema era abrangente, alçando diversas unidades pelo país e que o banco não estaria adotando providências eficazes para combater o problema.

O MPT relatou diversas investigações sobre as reclamações trabalhistas de assédio moral contra o banco e que confirmavam condutas como retaliação a grevistas, retirada de comissão como medida punitiva pelo ajuizamento de ações, isolamento de empregados portadores de HIV e interferência na licença-maternidade dias após o parto.

No recurso julgado pelo TST, o BB reiterava que adotou inúmeras medidas para conter as condutas ilícitas verficadas. Entre as iniciativas citadas estava a criação, por meio de acordo coletivo, de um Comitê de Ética.

Segundo o banco, a decisão do TST violaria o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição, que privilegia a negociação coletiva.Para o ministro do TST Hugo Scheuermann, a questão não abordava o reconhecimento de ajustes coletivos, mas sim a efetividade da comissão de ética. Quanto ao valor da indenização, o ministro o considerou adequado.

Ao analisar o caso, os ministros citaram diversos casos, entre eles o de um gerente do Espírito Santo que afirmava aos subordinados possuir uma espingarda, que “não errava um tiro” e que “estava com vontade de matar uma pessoa”.

Também foi mencionado um episódio de assédio sexual sofrido por uma funcionária de 22 anos, que, após o ocorrido, passou a ir trabalhar acompanhada da mãe. Por ter negado as investidas, a emprega foi demitida e, depois, reintegrada.

“O assédio moral nas empresas está muito disseminado em razão da falta de controle da condução de pessoas que estão em posição hierárquica superior e que, não sendo cobradas, acabam violando o direito de terceiros”, afirmou o ministro Lelio Bentes.

Instâncias anteriores
A juíza da 7ª Vara do Trabalho de Brasília já havia condenado o BB a criar uma comissão para receber denúncias sobre abusos. O grupo deveria ser composto por representantes dos trabalhadores, eleitos por com a participação do sindicato.

Mas a gerente responsável, desde 2004, pelo recebimento das denúncias no Distrito Federal relatou que considerava “uma questão delicada e complicada dizer que os fatos que lhe são relatados são assédio moral”. Na sua dela, o problema seria falha de comunicação entre chefes e subordinados.

Segundo a gerente, “existem gerentes que cobram o trabalho de uma maneira mais dura, assim como existem funcionários que são mais frágeis que outros”. Ela disse ainda que nunca percebeu a existência de qualquer caso de assédio em relação às denúncias que recebeu.

Na decisão de primeiro grau, a juíza responsável ressaltou que “como a pessoa que recebe as denúncias nunca conclui pela possibilidade de haver assédio moral, ela também nunca as apura”.

Apesar disso, na sentença foram reconhecidos os esforços do BB para reduzir a prática abusiva. Mesmo assim, a julgadora afirmou que “ficou cabalmente comprovado na audiência de instrução que as políticas institucionais adotadas não estão surtindo efeito, por melhor que seja a intenção”.

Porém, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente com base no total de funcionários da instituição financeira. Segundo a sentença, se for considerando o universo de 90 mil empregados do BB, a prática do assédio não chegava ao ponto de dano à coletividade.

Em recurso ao TRT da 10ª Região, o MPT listou oito processos trabalhistas onde o BB foi condenado por assédio moral. A corte regional impôs a condenação de R$ 600 mil, pois considerou que as medidas adotadas pelo banco não foram eficazes e que a instituição foi omissa em adotar as medidas repressivas. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

Processo AIRR-50040-83.2008.5.10.0007

Clique aqui para ler o acórdão

Fonte: Conjur

Novo Código de Ética é resultado de debate e consulta, diz conselheiro

O Novo Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, em votação nos últimos meses, é resultado de debates e consultas à categoria, disse nesta segunda-feira (15/6) André Godinho, conselheiro federal e presidente da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados.  “O Conselho Federal da OAB está empenhado em democraticamente construir um novo Código de Ética para advocacia”, afirmou.

De acordo com ele, diversos setores e instituições ligados à advocacia estão sendo consultadas. Por este motivo, o novo código se alinhará aos anseios de diferentes grupos de advogados e de diversas seccionais da entidade, disse, acrescentando que a advocacia brasileira terá um novo Código de Ética renovado e atual até o final do ano.

O conselheiro comentou ainda que, na atual fase da construção do novo código, em que sessões extraordinárias são chamadas para a aprovação final da redação dos diversos capítulos do documento, é preciso parcimônia e serenidade para que avanços sejam obtidos.

No domingo (14), o Pleno do Conselho Nacional da OAB aprovou a advocacia pro bono, que viabiliza o exercício gratuito da defesa para beneficiar instituições filantrópicas e pessoas que não possuem recursos financeiros.

O texto foi levado ao Conselho Pleno pelo Instituto Pro Bono com apoio do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa). A nova regra proíbe o uso de pro bono para fins eleitorais ou políticos nem “beneficiar instituições que visem a tais objetivos”. Também ficará proibido advogar de graça como forma de publicidade para captação de clientes.

Leia a íntegra da nota.

“O Conselho Federal da OAB é soberano em suas decisões e está empenhado em democraticamente construir um novo Código de Ética para advocacia.

Após ouvir a advocacia brasileira, inclusive durante a Conferência Nacional dos Advogados, realizada em 2014 no Rio de Janeiro, o decano e medalha Rui Barbosa Dr. Paulo Medina, Presidente da comissão especial designada pra esta finalidade, encaminhou ao pleno a minuta do novo Código de Ética.

Por sua vez, o relator da matéria no pleno vem colhendo contribuições de todos os setores e instituições vinculadas à advocacia. Justamente por isso, o texto em apreciação conseguiu estar alinhado aos atuais anseios de diversos grupos de advogados e de seccionais espalhadas pelo País. Um exemplo disso foi a recente aprovação da advocacia pro bono.

No entanto, neste momento em que diversas sessões extraordinárias estão sendo realizadas pelo Conselho Federal para os debates finais sobre o tema, todas as contribuições continuam sendo bem vindas, mas é necessário o respeito às deliberações, especialmente porque sempre prevalece a vontade democrática da advocacia brasileira legitimamente representada.

Não engrandece os debates a divulgação de críticas prematuras, que por vezes soam como tentativas de se fazer pressão e não contribuem para o avanço das propostas no campo onde elas devem ocorrer: o Conselho Federal da OAB.

Até o final do ano, a advocacia brasileira será agraciada com um novo Código de Ética e Disciplina, consentâneo com as questões e desafios postos na atualidade, cujo mérito será coletivo, de modo especial à essa operosa gestão da OAB, presidida por Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

André Godinho, Conselheiro Federal da OAB e Presidente da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados”

Fonte: Conjur

O direito de autor é semanticamente deficitário e pode gerar injustiças

O direito de autor apresenta déficits de três distintas naturezas diretamente relacionados entre si: o déficit filosófico do direito de autor, o déficit semântico do direito de autor e o déficit de representatividade (ou de legitimidade).

Hoje tratarei somente do déficit semântico em consequência de saudáveis enfrentamentos que tive com terceiros.

1 – Os direitos “conexos”
Após a publicação de um artigo em que eu defendia a posição dos atores que sucessivamente vem sendo excluídos da consideração de criadores no processo artístico, fui alertado por uma atriz e diretora que estes seriam titulares somente de direitos conexos e não direitos de autor.

Do ponto de vista pragmático assiste razão à minha interlocutora e não coloco uma única vírgula no seu entendimento.

Ocorre, porém, que o direito de autor em toda a sua concepção precisa ser revisto como uma categoria que ostenta uma série de inconsistências semânticas, tais como “propriedade artística literária”, “direita morais de autor” e “direitos conexos”, entre outras.

É, portanto, necessário compreender que a expressão direita conexa se baseia numa ideia equivocada de aproximar aquele que traz um aporte criativo à obra, apesar de não ser o autor desta (lembrando que o denomino por“sujeito-criador”).

Ou seja, nomear por direito conexo é o mesmo que dizer “não-direito de autor”. Ora, o não-algo é evidentemente excluído mesmo quando se pretende atribuir alguns (outros) direitos ao excluído.

Curioso notar que a terminologia direita conexos é semanticamente falseada como expressão que pretende incluir titulares, e a bem da verdade exclui os intérpretes de uma série de direitos.

Por outro lado, inclui-se entre os titulares de direitos conexos as companhias fonográficas e as empresas de radiodifusão[3], que, por sua vez, não trazem nenhum aporte criativo à obra anteriormente criada.

Ou seja, ficam excluídos os que trazem um aporte à obra da condição de autores (de fato não o são) mas ficam incluídos numa categoria que em nada se relaciona aqueles que possuem direitos de natureza única e explicitamente comercial.

Ora, com isso, não pretendo apontar nenhuma sedimentação de direitos que exclua as companhias fonográficas ou empresas de radiodifusão da condição de titulares de direitos conexos. Não é esta a minha pretensão. Até porque se fosse, seria uma batalha perdida, pois os ordenamentos nacionais e internacionais moldam-se sobre a ideia destas duas distintas categorias de direitos: direito de autor e direitos conexos.

Contudo, não vejo nenhum inconveniente em afirmar que há uma exclusão dos intérpretes da condição criativa essencial e uma forçosa e falsa atribuição semântica de um direito aos que atuam como agentes ressonadores de obras, mas que não são criadores.

Ou seja, que o direito das companhias fonográficas e das empresas de radiodifusão deveria ostentar outro nome é evidente, ainda que eu não pretenda lhes saquear direitos conquistados ao longo dos anos (insisto antes de ser atacado).

Por outro lado, não faz sentido que intérpretes, principalmente no setor musical e audiovisual, não sejam titulares de alguns direitos exclusivos do catálogo autoral. É o caso do direito de acesso ao exemplar único de obra, previsto no artigo 24, VII da nossa lei, quando haja interpretações plasmadas sobre suportes físicos, desde que se tratem de exemplares únicos das obras ou interpretações. Não houvesse a exclusão, tal direito seria garantido.

Contudo, a mais grave das distinções se faz exatamente no setor audiovisual. As leis nacionais, em geral, atribuem a condição de autor da obra audiovisual o diretor, o roteirista ou argumentista e ao compositor da trilha sonora composta especificamente para tal obra. E o ator, que normalmente é a figura com maior impacto nas obras desta natureza, resta excluída da condição de autor.

Insisto, não pretendo modificar ou romper com a lógica do sistema nem propor uma revolução sobre o sentido equivocado das expressões do direito de autor. Mas como doutrinador, não me cabe outra função que não elogiar os terrenos corretamente semeados e criticar os desvios semânticos. Pois o déficit semântico, o desvio lógico estrutural neste caso é fundamental e prejudica toda a categoria dos intérpretes do setor audiovisual pela “não-atribuição” de direitos.

Por outro lado, há outro déficit decorrente do fato de que na interpretação por parte de atores e atrizes há evidentes composições de personagens que sequer foram imaginados pelos escritores das obras nem estabelecidos pelos diretores. Do ponto de vista do processo criativo, portanto, não restam dúvidas de que o ator deve ser considerado um criador e deveria repetir esta ideia à exaustão, não para modificar o sistema – pois de fato não irá conseguir – mas ao menos para se convencer de sua condição criativa.

2 – Os direitos “morais”
Dizer que a terminologia direitos morais é somente inadequada é quase um elogio. Trata-se de expressão importada da terminologia francesa que possui significado bem mais amplo do que o termo “moral” em língua portuguesa.

Por outro lado, a expressão direitos morais, importa em um equívoco de interpretação a contrario sensu. Sendo tais direitos de natureza “moral” , haveria, portanto, uma “superioridade moral” sobre os direitos de natureza patrimonial. Como se direitos patrimoniais fossem naturalmente “imorais” ou “menos morais”. Evidentemente não é esta a realidade dos fatos.

Pois bem. Discutindo sobre o caso de uma conhecida apresentadora de TV que requereu a retirada do mercado de obras das quais se arrependeu de ter participado (como atriz), surgiu a questão sobre a superioridade intrínseca dos denominados direitos morais.

Enquanto um colega afirmava que a proteção de sua integridade moral seria inquestionável, outro afirmava que não havia a menor possibilidade de retirada do mercado de obras que contivesse a sua interpretação, pois o mercado e os consumidores não poderiam estar submetidos a arrependimentos por parte de artistas que tenham “mudado de postura” no decorrer da carreira.

Enquanto o defensor da apresentadora indicava o artigo 92 da Lei 9610/98, o outro dizia que o mercado artístico não poderia se submeter a meras modificações de humor!

Calma prezados!

No citado caso, uma interpretação conduzia à possibilidade de arrependimento por parte da então atriz por conta dos resultados estéticos. Deveria, porém, haver ofensa à integridade da interpretação.

Por outro lado, poderia ser também interpretado que o direito se aplicaria somente se houvesse o que a parte final do artigo 92 determina, ou seja: se a interpretação fosse desfigurada.

A interpretação era íntegra, e, portanto, repousava a discussão sobre a simples possibilidade de arrependimento decorrente da violação da integridade.

Ao fim e ao cabo, o que o embate trouxe à superfície foi uma constante discussão entre os autoralistas quanto a uma eventual superioridade dos direitos morais e os direitos de natureza patrimonial.

O ordenamento brasileiro, como os demais voltados ao sistema herdeiro dodroit d’ auteur francês, valoriza os direitos pessoais levando em conta que o beneficiário do direito de autor (e obviamente dos direitos conexos) deve ser protegido na condição de “sujeito-criador” (expressão que prefiro utilizar) e como destinatário principal de tal catálogo de direitos.

Não digo com isto que os demais partícipes do processo de transformação de obras em produtos culturais não mereçam a proteção legal, obviamente. Se assim fosse, a chamada “indústria cultural” sofreria altos reveses. Os direitos dos editores literários (que em geral são cessionários de obras literárias ou licenciados por meio de contratos de edição), as companhias fonográficas (detentoras de direitos conexos específicos) e as produtoras de audiovisual (que são cessionárias de direitos de autor e conexos) são garantidos na lei, mas submetidos a alguns riscos neste particular negócio.

Assim, os sujeitos-criadores, em muitas circunstâncias, poderiam fazer uso de direitos que a lei lhe atribui, quando houvesse violações de valores extra-econômicos.

Não digo com isto que o caso da apresentadora deveria ser decidido inquestionavelmente a seu favor. Até porque advogados não podem construir pareceres sem verificar os processos ou casos à exaustão (ufa, escapei!).

Por outro lado, é evidente que há circunstâncias nas quais direitos de natureza pessoal elevam-se em um grau de relativa superioridade quando confrontados com direitos de natureza patrimonial.

Veja-se por quê. Os direitos patrimoniais da seara do direito de autor são a resposta jurídica para atos de exploração que o direito viu por bem regular por meio de práticas de mercado. A lógica inerente ao direito de reprodução, o mais clássico destes direitos e herdeiro dos antigos privilégios de impressão, depois foi sendo transformada para ser aplicada a outros direitos de natureza patrimonial, como é o caso do direito de execução pública musical, direito de colocação à disposição da obra, entre outros. Além disso, a própria consolidação de direitos conexos aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão contribui para gerar certa segurança no mercado pela atribuição de direitos conexos (lembram: péssima terminologia!).

Ocorre que a segurança jurídica no setor da cultura não é tal evidente quanto em outros. Aliás, também na transferência de bens imóveis pode haver reveses aos investidor, que pode possuir propriedades que sofram usucapião ou desapropriação, o que obviamente influencia na análise de segurança do mercado investidor.

Os agentes do mercado artístico, portanto, deve compreender que há segurança jurídica nas suas atividades, nos contratos firmados e nos direitos que lhes são aplicados, mas o destinatário fundamental e primeiro do direito de autor continua sendo – e assim será sempre – o sujeito-criador, compreendido neste o autor e o intérprete, o que interpreta o mundo à sua volta e o transforma em algo palatável e suscetível de percepção pelos sentidos.

Por isto, o direito de integridade pode ser confrontado, por um intérprete ou por um autor, perante uma empresa de radiodifusão, uma produtora fonográfica ou qualquer outra agente que atue na seara transformadora de obras e interpretações em produtos. Enquanto as empresas protegem os produtos e, com isto garantem seu mercado, os criadores protegem a sua criação a sua interpretação e, com isso garantem a continuidade da dignidade do criador.

Um sujeito-criador pode, portanto, arrepender-se de seus passado ou evitar violações de sua dignidade no presente e no futuro, pois o que fica para a história não são os agentes transformadores em produtos, mas os criadores. Ou, afinal, lembramos do editor de Balzac em detrimento de Balzac? Ou da gravadora de João Gilberto em detrimento de João Gilberto? O que fica para a história? E, portanto, o que pode ficar maculado pela história?

Por tudo isso, a possibilidade de confrontar direitos patrimoniais por meio de direitos pessoais de autor é, no mínimo, bastante razoável, pois não fosse assim, as leis não as caracterizaria como direitos irrenunciáveis e inalienáveis.

3 – O direito “de sequência”
A questão referente ao direito de sequência, devo admitir, não é tanto da ordem de uma semântica altamente deficitária. Este direito poderia (e pode) assim ser chamado (é denominado em francês droit de suite), sendo certo porém que nomeá-lo por direito sobre a revenda, ou direito de revenda seria mais adequado.

Esta inadequação terminológica, porém, serve de suporte para que alguns participantes do mercado não compreendam a sua natureza protetiva de participação econômica do autor de obras de artes plásticas. Por isso, talvez a confusão, aliada também a uma relativa dose de má fé.

Pois um investidor em obras de artes plásticas revelou que o direito de sequência seria uma aberração do mercado, considerando que em nenhum outro se pode cobrar pela revenda de produtos ou obras. Dizia o Sr. Investidor que não se pode tratar quadros (por exemplo) de modo diferente de carros ou outros bens que sejam suscetíveis ao direito de propriedade.

Pois digo ao Sr. Investidor que lamento a sua posição e lhe explico o direito de sequência.

É um direito típico do mercado de artes plásticas. Promove uma participação econômica ao artista pela revenda da obra. Segundo as leis nacionais, como a nossa, deve ser de natureza irrenunciável e inalienável. Ou seja, mesmo que ostente um valor e uma justificativa econômica, este valor econômico precisa ser garantido, considerando um simples fato: o sujeito-criador neste caso ostenta uma posição de inferioridade negocial perante aqueles agentes do mercado que permitem a circulação da obra.

Ou seja, marchands, investidores, galeristas, leiloeiros, salvo raríssimas exceções, irão preferir não destinar parte do lucro pela revenda da obra ao sujeito-criador ou a seus herdeiros. É uma questão de ordem econômica. Mas também o é compreender que o pintor poderia, muitas vezes, obter uma vida mais digna, especialmente quando alcance mais idade e não tenha, por exemplo, condições de pintar. Degas, quando octogenário, segundo se diz, teria visto obras suas vendidas pelo valor de quase meio milhão de francos. As mesmas obras que teriam sido vendidas por meros quinhentos francos.

Portanto, diferentemente do que se diz,o direito de sequência não imobilizaria o mercado pois os valores em geral são baixos e somente contribuem para se destinar um complemento digno para vida do artista ou seus herdeiros.

Por isso, Sr. Investidor, se o senhor pretende inserir-se em um mercado no qual não tenha que pagar um direito justo que seja destinado ao sujeito-criador da obra ou seus herdeiros, compre imóveis, carros antigos, terras, mas não obras de artes plásticas. Será melhor para todos.

Fonte: Conjur