Quando a lei impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões, é defeso ao julgador, por preguiça ou descaso, valer-se exclusivamente de argumentos alheios para declinar a sua ratio decidendi.
Na verdade, o dever de motivação da sentença, que constitui, como é sabido, uma garantia constitucional, tem por fim imediato demonstrar ao próprio órgão jurisdicional, antes mesmo do que às partes, a coerência que legitima o decisório, cujo teor se encontrava projetado em seu raciocínio. O juiz, portanto, é o primeiro destinatário da motivação.
Ainda quanto ao aspecto subjetivo, visa também a motivação a persuadir o litigante sucumbente, mostrando-lhe que o resultado do processo não é fruto de sorte ou capricho, mas de verdadeira atuação da lei. E isto porque, consoante precisa observação de Calamandrei, “o homem sente a necessidade, para aceitar a justiça dos homens, de razões humanas”, sendo que a fundamentação constitui, pois, aquela parte da sentença que se presta a demonstrar que o julgamento é justo e por que é justo (Processo e democrazia, Opere giuridiche, v. 1, Napoli, Morano, 1965, p. 664).
Não apenas o próprio juiz e as partes, mas, igualmente, a sociedade é destinatária da fundamentação das decisões judiciais. Para a efetiva compreensão das sentenças importa que elas sejam proferidas de forma lógica e se apoiem em linguagem, embora técnica, acessível a todos. Só assim, “racionalizada e motivada, a sentença realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, ‘convencer’ as partes e a sociedade de sua justiça. É a própria ideia de função que exige que a decisão judicial não decorreu de puro arbítrio, que não é indiferente à coerência e ao raciocínio lógico, mas que procurou atingir a certeza por caminhos discursivos, válidos para todos” (Eduardo Correia, Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o art. 653 do Projeto de alteração do CPC, Boletim da Faculdade de Direito, 37, Coimbra, 1961, p. 184).
Considerando esse relevante fator, cumpre ainda frisar que o nosso vigente Código de Processo Civil contém original e importante regra no parágrafo 1º do artigo 489, que arrola determinadas situações – frequentes, diga-se de passagem -, nas quais a própria lei se adianta, antevendo ofensa ao disposto no inciso II dessa regra legal, que impõe fundamentação dos pronunciamentos judiciais. Preocupado, pois, a atender, ainda uma vez, ao mandamento constitucional do dever de motivação, o legislador, de forma até pedagógica, estabeleceu, novo Código, os vícios mais comuns que comprometem a higidez do ato decisório, “seja ele interlocutório, sentença ou acórdão”.
Ressalte-se, contudo, que o vício proveniente da situação em que o juiz se vale exclusivamente de pareceres juntados aos autos ou mesmo de anteriores decisões, para fundamentar os seus próprios atos decisórios, continua sem previsão legal expressa, embora facilmente inferido do sistema adotado pelo Código de Processo Civil.
Os motivos do julgamento devem ser declinados de modo explícito, uma vez que constitui função própria e exclusiva do juiz a de interpretar a lei, aplicá-la aos fatos da causa e, em conclusão, proferir a decisão que só pode ser fruto de sua convicção pessoal.
Assim, como soe acontecer, deixará de cumprir o seu dever funcional o julgador que se limitar a decidir, sem revelar como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto, ou, mesmo, a fazer simples remissão a fundamentos expendidos em razões, pareceres, decisões, ou seja, em atos processuais já produzidos nos autos (motivação per relationem) ou, ainda, em outro processo (motivação aliunde).
O artigo 663º, n. 5, do atual Código de Processo Civil português, seguindo tendência já adotada no artigo 15º do Decreto-lei 108/2006, autoriza ao tribunal, à guisa de motivação, simplesmente invocar precedente judicial que já tenha apreciado a matéria, juntando cópia da íntegra do respectivo acórdão. A doutrina, contudo, levanta dúvida acerca da constitucionalidade desaa regra, que se apresenta como verdadeiro obstáculo a que as partes acompanhem o itinerário racional do pronunciamento judicial diante da questão concreta (v., a propósito, Nuno de Lemos Jorge, Notas sobre o regime processual experimental, Novas exigências do processo civil (obra coletiva), Coimbra, Coimbra Ed., 2007, p. 199. Na Itália, o novo artigo 118 das disposições de atuação do Codice di Procedura Civile admite também a motivação per relationem, ao preceituar que: “A motivação da sentença determinada no artigo 132, n. 2.4, do Código de Processo Civil, consiste na sucinta exposição dos fatos relevantes da causa e dos fundamentos jurídicos da decisão, podendo ainda ser invocados precedentes convergentes”. (consulte-se, a respeito, o interessante estudo de Maria Acierno, La motivazione della sentenza tra esigenze di celerità e giusto processo, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 2012, p. 437 ss).
Observo que o diploma brasileiro em vigor, a esse respeito, perdeu a oportunidade de repudiar o disparatado permissivo, de motivação per relationem, constante do artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, assim redigido: “Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”.
Há, nessa indesejável técnica, manifesta ofensa à garantia consagrada no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, embora (de certo modo) até então abonada pelo Superior Tribunal de Justiça, como se infere, e. g., de precedente da Corte Especial, nos Embargos de Divergência n. 1.021.851-SP, da relatoria da ministra Laurita Vaz, ao assentar que: “A reprodução de fundamentos declinados pelas partes ou pelo órgão do Ministério Público ou mesmo de outras decisões atendem ao comando normativo, e também constitucional, que impõe a necessidade de fundamentação das decisões judiciais. O que não se tolera é a ausência de fundamentação” (m. v., DJe 4.10.2012).
Não obstante, mais recentemente, revendo, ao que tudo indica, tal inconsistente orientação à luz da mens legis, inserida no supra referido artigo 489 do Código de Processo Civil, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.384.669-RS, com voto condutor do ministro Nefi Cordeiro, reconheceu a nulidade do acórdão recorrido, ao determinar, à unanimidade de votos, o rejulgamento do recurso pelo tribunal de origem, que havia simplesmente adotado, como razões de decidir, os termos de parecer lançado pelo Ministério Público, sem qualquer adendo dos integrantes da respectiva turma julgadora, in verbis: “(…) Rejeito as preliminares dos recursos e o faço com os mesmos argumentos do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Cláudio Barros Silva, que bem analisou as questões levantadas pelas defesas, entendo da desnecessidade de repisá-los, até porque eles são do conhecimento dos interessados” (sic).
Com efeito, ao apreciar e prover a irresignação do embargante, a apontada 3ª Seção decidiu que:
“(…) No caso, verifica-se que a Corte de origem, ao apreciar o apelo defensivo, limitou-se a fazer remissão ao parecer ministerial, sequer transcrito no acórdão, sem tecer qualquer consideração acerca das preliminares arguidas, o que não se coaduna com o imperativo da necessidade de fundamentação adequada das decisões judiciais.
Dessa forma, nos termos da orientação firmada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, não serve como fundamentação exclusivamente a remissão a manifestações de terceiros, exigindo-se complementações demonstradoras do efetivo exame dos autos e teses arguidas.
Impõe-se, pois, a reforma do acórdão impugnado, para que o Tribunal de origem realize novo julgamento, como entender de direito, inclusive quanto ao necessário exame das preliminares.
Ante o exposto, voto por acolher os embargos de divergência para dar provimento ao recurso especial, determinando o retorno dos autos à Corte de origem para que profira novo julgamento, como entender de direito, inclusive apreciando as preliminares arguidas no apelo defensivo”.
Conclui-se, pois, que esse irrepreensível pronunciamento colegiado se presta, a um só tempo, a afastar a incidência da aludida norma regimental do Tribunal de Justiça bandeirante, a reafirmar a imperiosidade do dever de fundamentação das decisões judiciais, e, ainda, a reconhecer, de forma inequívoca, o vício que macula os atos decisórios fundamentados exclusivamente em convicção manifestada por terceiros, ainda que protagonistas do mesmo processo!
Fonte: ConJur